segunda-feira, 10 de julho de 2023

Resenha #293 Hiperhelix (Michel Peres)

 



"Hiperhelix" é minha última leitura da coleção "Futuro Infinito", como já disse antes é a melhor coleção da ficção científica brasileira lançada até agora. Hiperhélix é um exemplo de como a ficção científica escrita no Brasil poderia ser. Não que todos devessem copiá-lo, mas que o nível de escrita que concilia bem o nerd com o malandro, a viagem maluca com tramas interessantes, não se prendendo a armas e vingança. O uso criativo da imaginação para elementos tecnológicos, como o tecido quase vivo, as fofuras assassinas, o vírus no estúdio musical e um código que permite uma "vida eterna". Tudo isso perpassa em histórias que hora trazem o horror, outras a contemplação de elementos futurísticos muito bem explorados pelo autor.

"Droneboy" abre com um tupinipunk num ritmo frenético de um menino que faz entregas de pizza por drone e teve seu aparelho danificado por motoboys (concorrência), os problemas começam porque havia uma carga ilegal no drone que desaparece junto com o aparelho. Somos jogados habilmente pela linguagem solta de um moleque que entra numa enrascada e entra numa zona horrenda da cidade, digna de um filme de terror. Os diálogos são fluidos como descer num tobogã. Conto muito divertido. Excelente início. 

"Memento mori com fernet" acompanhamos uma artesã, que confecciona tecidos e faz roupas sob medida com uma espécie de tecido vivo, no Rio de Janeiro, quando ela conhece e se envolve uma garota ciborgue uruguaia que faz performances eróticas em casas de shows. Achei que o conto foi muito sensível na relação entre as duas, sem apelar para uma erotização das personagens e focando na relação de fascínio e mistério que a uruguaia exerce sobre a protagonista. Outro conto com pegada tupinipunk que nos leva a estranheza numa corriqueira lojinha de roupas no futuro.

"Girassol negro" é uma história de viagem no tempo, que não tenta brincar com paradoxos, e por consequência também não tenta usar a viagem temporal como solução fácil para a resolução da história. O viajante no tempo está atrás de um quadro raro de Van Gogh e acaba se metendo demais na vida do pintor e se deixa levar pelo encanto de suas obras. Acompanhei a trama gostando tanto dela, que seu desenrolar foi mais satisfatório que seu desfecho. E o desfecho foi muito bom! 

"Intermitências" acompanha Deisi, uma jovem solitária que busca a solidão e a contemplação de paisagens em jogos multiplayer online abandonados. Ela entra em uma espiral maluca quando encontra um avatar que passeia por diversos jogos e cenários, apresentando-se como um deus. O mistério toma conta de todo o conto e envolve bastante até o seu desenlace. É possivel mergulhar na solidão e nos cenários que ela busca para fugir do mundo. Muito bom!

"Preto digital" acompanhamos uma xamã digital contratada para remover um vírus de um estúdio musical de uma senhora excêntrica, mas o passado desta mulher acaba envolvendo a protagonista de uma forma muito doce na sua vida. O conto tem uma pegada muito parecida com o primeiro conto. Há um toque de morbidez mas é um encontro da vida muito bonito. Tanto que a qualidade quase viva do estúdio lembra um pouco com a característica viva dos tecidos da artesã do primeiro encontro.

"Nilsinho Pause" conta sobre um artista performático no futuro, que dá nome ao conto. Um brasileiro de origem nordestina e pobre que viajou o mundo e agora está preparando uma performance na cidade onde nasceu. Me fez lembrar a alegria e irreverência de Ruby Rhod (Chris Tucker em o 5º Elemento) ou Zimba Blue em "Love, Death & Robots", mas obviamente com uma pegada muito brasileira. A leitura é feita em alta velocidade, num ritmo frenético como o segundo conto.  

"Os filhos dos homens" conto é narrado em primeira pessoa pelo protagonista, uma raça artificial criada para trabalhos manuais nas colônias marcianas. A graça é buscar se colocar na pele de um explorado com vocabulário e cérebro não feitos para pensamentos complexos, mas também não significa que não queiram lutar pela própria sobrevivência por mais passivos que posam aparentar. Apenas pelo conto se passar em uma colônia marciana já me chamou a atenção para o texto.

"A eva mitocondrial" conto que encerra o livro, com uma paródia das histórias de investigação, porém ela percorre caminhos ocultos de uma Recife futurista, na pele do investigador Juarez, que foi enviado para recuperar um codigo de DNA que permitiria a "vida eterna". As cores com que o autor pinta esse submundo são extremamente vivas. Assim como Roberto Causo, Peres usou o contraponto direto com o estrangeiro para mostrar a brasilidade, mas além disso uma porção de lugares, diálogos e referências que só poderiam ser mostrados por um brasileiro, e nem todo o brasileiro. Eu mesmo me senti embrenhando em corredores escondidos e maravilhado pelas novidades como um estrangeiro. Conto é como um bom tupinipunk devia sempre ser e mais. O conto coroa essa obra que reúne excelentes contos. Adorei! 

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