segunda-feira, 26 de junho de 2023

Resenha #291 As crias de Hastur, A Irmandade do Olho do Corvo, Livro 1 (A. Z. Cordenonzi)


"As Crias de Hastur: A Irmandade do Olho do Corvo (Livro 1)" é o primeiro livro de aventuras demoníacas do Padre, que promete ser uma série de pequenos livros com historias curtas para um romance. Acompanhamos o Padre, em uma narrativa em primeira pessoa, quando ele é convocado pela misteriosa Madame "Gelo" Dryer para liderar em campo a Irmandade do Olho do Corvo. Uma espécie de agência que tem em comum seres como o próprio Padre. Combatentes do mal em sua forma sobrenatural. Povoam este mundo vampiros e demônios e outros males ainda não explorados pelo autor. Na equipe, temos uma princesa árabe, mortalmente mal humorada e em combate com espadas também; o filho negro de Lovercraft; Um golem praticamente indestrutível entre outros.

A narrativa em primeira pessoa, acompanhando sempre o Padre foi uma excelente sacada do autor. Por sua visão de mundo sarcástica e divertida, nos apegamos aos personagens e a leitura das 111 páginas passam como se fossem apenas 11. Durante a obra acompanhamos três momentos principais. O primeiro é uma pequena aventura solo do Padre em um vilarejo assolado por vampiros, onde podemos ver como o Padre trabalha e como pensa. O segundo quando é recrutado e conhece seu time e tem que descobrir como vai se tornar o líder que se espera dele. Por último, o primeiro chamado da Irmandade, com seu novo líder em campo quando são deslocados até Chinatown de Nova Iorque onde uma sacerdote chinesa foi possuída por um demônio exatamente no lugar que deveria ser o mais seguro contra ameaças do mundo espiritual, que é seu próprio centro religioso. A investigação vai levar a trupe a muita pancadaria, sangue e conflitos de gangues de artistas marciais, mercenários e figurões do crime. Em resumo, uma leitura divertida e gostosa de acompanhar e um mundo muito instigante que pede uma coleção com vários volumes para acompanhar. Já quero ler o segundo volume!
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segunda-feira, 19 de junho de 2023

Resenha #290 As Brigadas Fantasma (John Scalzi)


"As Brigadas Fantasma" é a sequência de "A Guerra do Velho". Se você não leu o primeiro livro, sinceramente: dê o fora daqui, vá ler e depois volte aqui, se quiser. Digo isso, porque o definitivamente primeiro livro merece uma leitura com o mínimo de informação possível. E acredito que o segundo também. Isso acaba sendo uma recomendação de ler qualquer resenha do segundo livro também, pois As Brigadas Fantasma tem muitas surpresas simples mas muito gostosas de acompanhar e descobrir lendo. John Scalzi mantém o ritmo e o estilo ágil caracteristico da saga d'A Guerra do Velho buscando surpreender o leitor com essa visão de mundo militarizada que encanta e entristece ao mesmo tempo, sem perder a ironia e a leveza em momentos que poderiam ser densos. Afinal, Scalzi nunca perde a prioridade do livro que é divertir.

Acompanhamos o soldados das Forças Especiais Jared Dirac, um soldado criado a partir de uma consciência de uma pessoa morta, como quem já leu o primeiro livro, deve se lembrar. Revemos a tenente Jane Sagan e o comandante Szlilard, mas desta vez acompanhamos as Forças Especiais por dentro, junto com Dirac que carrega em si a consciência de um traidor, Charles Boutain. Seu crime: trair a raça humana em uma guerra, contra uma aliança composta por três raças contra a humanidade. E nem estamos falando da raça consu, a mais poderosa e avançada tecnologicamente do universo conhecido.

Uma vez que você está aqui, ou já leu o livro ou ignorou meu conselho, seguirei falando com o mínimos de revelações possíveis. O que costuma imperar em sequências (principalmente as cinematográficas) é a falta de criatividade, onde o lugar comum é repetir o tipo de ameaça tornando a maior. Nesta sequência, não deixa de ter um pouco disso. Temos um problema mais grave, ainda dentro da mesma guerra generalizada entre várias raças além da humana, afinal trata-se de um conluio de três raças inimigas; e um herói maior e melhor, uma vez que acompanhamos um soldado das forças especiais da União Colonial. Contudo, a própria origem dessas forças especiais e do soldado Dirac em si é bem utilizada para alavancar a trama. Conhecemos o herói que é feito com partes do vilão, e a busca do soldado Dirac para saber quem ele é, torna-se ao mesmo tempo o desenvolvimento de ambos os personagens. Como já dito, temos várias considerações sobre a mente humana, a consciência e a velha pergunta d'O que é um ser humano? que vão além da mera desconfiança sobre sua lealdade e tudo de uma forma leve, em um ritmo cinematográfico. É uma leitura ágil e você vai sentir as mais de 350 páginas passarem como se fossem 100. Recomendado!

Aliás, mal posso esperar por uma versão live action das historias dessa série, pois quem sabe assim, lançam o quarto volume do livro em português. Até lá terei que me contentar com o próximo A Última Colônia.
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segunda-feira, 12 de junho de 2023

Resenha #289 Periféricos (Wiliam Gibson)


"Periféricos" é a volta de William Gibson a ficção científica depois da trilogia Blue Ant, que se passava no presente, abordando as tecnologias informacionais que se concretizaram desde suas visões no inicio dos anos 1980, mas agora um dos pais do Cyberpunk e do Steampunk retorna a falar sobre o futuro outra vez, e novamente em uma trilogia. 

Acompanhamos Flynne Fischer, uma jovem que vive no interior do Texas, que trabalha duro para comprar remédios caros para a mãe. Seu irmão Burton, é um veterano de guerra, que faz bicos em jogos profissionais na rede e tudo começa quando Flynne assume os controles de Burton, para um serviço que prometia pagar bem. Ela usa um novo acessório totalmente imersivo e logo presencia um assassinato. Depois ela é abordada por Wilf Netherton que a informa que o que ela viu não era um jogo, mas algo bem real e do futuro. Então Flynne e sua família e amigos são perseguidos por assassinos pagos por um financiador anônimo mas são ajudados por Wilf e os familiares de Daedra West, a mulher assassinada.

Neste mundo a viagem no tempo acontece apenas na forma de dados e as pessoas acessam através de periféricos que emulam a presença de Flynne na Londres do futuro e de Wilf nos EUA do passado. A interferência maior porém é do dinheiro que passa a fluir aos rios na pequena cidade de Flynne. Uma alegoria muito fina e bem feita da interferência dos grandes centros econômicos em países pobres, sem a necessidade desses milionários se deslocar para lá, lembrando que Wilf é apenas representante informal dos caras da grana.

Quando ao desenrolar dos acontecimentos, temos um livro mais divertido que a maioria dos livros do autor. Sua escrita mantém sua característica de jogar o leitor no mundo, sem avisar de suas estranhezas para depois inserir falas explicando tudo. Funciona comigo, como leitor, ainda que ache que a obra pudesse ter mais cenas de ação, mas as reflexões e os mistérios que apenas desbravar esse mundo gera durante a leitura já valem a obra e espero que Gibson tenha deixado o melhor para as outras obras, pois apesar de tudo se resolver aqui para Flynne e Wilf, ainda há muitos mistérios sobre como tudo realmente funciona. Recomendo para viajantes habituais a mente de Gibson, pois apesar de ser mais leve ainda não é uma leitura de praia, como acho que deveria ser. 
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segunda-feira, 5 de junho de 2023

Resenha #288 Savage Worlds nº2 (Jerry Souza)


Estamos de volta para prestigiar a segunda edição da revista Savage Worlds. Projeto do Jerry Souza, que edita também a Revista Profecia. Recomendo fortemente o leitor conhecer o site www.profeciacomics.com e ver com os próprios olhos as edições virtuais para ler gratuitamente.

O segundo número temos a continuação das aventuras de Peryc e de Brandar. Peryc, vive na Terra passados dois mil anos de uma guerra nuclear que fez a humanidade regredir a barbárie. O mercenário tenta apenas sobreviver neste mundo selvagem. Continuando a aventura, Peryc está praticamente morto enquanto uma fera marinha destrói o navio da Corsária (personagem de Jerry) e após passar muitos dias na água acorda em uma praia vigiada por um reino de guerreiras negras. Gostei de como o traço, que mostra como Peryc está mais fraco após o naufrágio e todo o clima bem feito que homenageia Conan mas mantem a construção de um mundo diferente.  A segunda aventura é de Brandar, onde vemos sua execução, após a condenação no volume anterior, onde ele deveria ser jogado ao sol para ser incinerado junto com sua capsula onde ficaria desacordado mas um asteroide o tira do curso. O traço melhorou bastante e o texto enriquece mais o personagem.

Escrevo este comentário com o numero 3 já lido e informado que as aventuras se encerram com o numero 4, que sairá no ano de 2023. Além disso, haverá um acontecimento muito legal nas duas histórias que não vou dizer para não dar spoiler.
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segunda-feira, 29 de maio de 2023

Resenha #287 Fome (Tibor Moricz)



"Fome: onde restar vida, haverá fome" de Tibor Moricz é uma distopia brasileira de 2008, editada pela extinta Tarja Editoral. O romance é uma junção de contos que fazem sentido isolados, mas que juntos formam uma narrativa maior também. Hoje o nome que damos a essa forma é romance Fix-Up, e um exemplo desses é Território Lovercraft de Matt Ruff. Contudo o paralelo que quero traçar com esta obra e outro. 

O mundo retratado em Fome é de completa falta de esperança. Não há explicação para o desastre que o mundo se tornou. Apenas que não há mais comida, vegetação, fauna e a população está quase toda morta e os vivos se canibalizam para sobreviver enquanto houver outros iguais para devorar. Cada personagem é acompanhado em um conto diferente e vão contando uma história única da civilização humana regredindo ao estado mais puro da animalidade. Um caçador, um colecionador de livros, um filho zeloso, um crente e um sacerdote são alguns dos personagens que movimentam a trama que vai por um caminho completamente crítico da religião, que aparece como uma forma sofisticada de explorar a única fonte de alimento dos humanos que são os próprios humanos.

Distopia é um subgênero bem comum na literatura e muitas são as suas obras, muitas delas já resenhadas aqui no blogue. Poderia traçar muitos paralelos com outras distopias com mundo arrasado mas acho que o contraponto ideal é com Terceira Expedição de Daniel Fresnot. Enquanto uma segue o relato de um catarinense que consegue sobreviver nos mostra um caminho da esperança surgida da pior adversidade imaginável em época de Guerra Fria, Fome vai pelo caminho oposto. Inclusive, em um dos momentos chave da obra de Fresnot, mostra que no que fora São Paulo, tornou-se algo parecido com o centro urbano que vemos na obra de Tibor Moricz. 

Outro destaque da obra vai para a escrita seca e sarcástica do autor que acentua ainda mais a aridez material e espiritual dos personagens mesmo, ou melhor dizendo, principalmente quando o elemento religioso entra em cena. É uma obra para corações fortes e que vai deixar os religiosos de cabelo em pé. Vale avisar que as cenas fortes tem gatilhos de violência, e podem parecer que não precisariam estar ali, mas é uma característica da escrita do autor essa estética crua e condiz com o tom da obra, ou seja, não são cenas gratuitas. 
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segunda-feira, 22 de maio de 2023

Resenha #286 A droga diabólica (Clare Winger Harris)



"A droga diabólica" de Clare Winger Harris é uma das histórias da autora que surgiu nas antigas revistas pulp dos anos 1920 nos Estados Unidos e que está sendo celebrada pela editora Cyberus com vários lançamentos de contos na Amazon. Este é um dos contos que foram lançados e o segundo da autora resenhado aqui.

Em A droga diabólica acompanhamos um cientista o Dr. Hamilton, que com apenas 26 anos, gostaria de desposar uma dama mais velha, com seus 32 anos. Então, ele desenvolve uma droga capaz de fazer com que o envelhecimento da dama pare por alguns anos até que eles tenham idades pareadas. Sinceramente, parece um tanto absurdo e de fato é, mas a proposta do conto fala muito sobre a época em que foi escrito. Lendo o conto hoje não deixa de ter o seu charme e se o leitor embarcar na proposta, vai encontrar um dos contos mais divertidos da autora, com um final digno de um pulp de sua época. Mas não se engane com essa capa, que mostra o típico cientista vilanesco, acho que você vai gostar tanto do Dr. Hamilton quanto possível!   
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terça-feira, 16 de maio de 2023

Resenha #285 Crônicas de Le Chevallier: Persa e as três sementes de tâmaras (A. Z. Cordenonzi)


"Persa e as três sementes de tâmaras" é minha terceira leitura d'As Crônicas de Le Chevalier. Uma série de quatro contos que expandem a obra principal do personagem e estão de graça para baixar na Amazon. São contos que tanto expandem o universo quanto servem de apresentação dos personagens. Cada conto também faz uma referência a literatura e personagens reais como é comum nas obras steampunks. Aliás, é uma das coisas que mais gosto deste subgênero: a capacidade de brincar e manipular o passado tanto historiográfico quanto literário.

Neste conto temos uma aventura solo do Persa, o agente do Bureau, fiel amigo do Le Chevalier, que se vê obrigado a ir em uma missão sozinho pois o maior agente da França está se recuperando de uma doença. Persa precisa investigar um caso de assassinato num regimento de legionários na Tunísia, terra natal do nosso protagonista. É muito bacana ver como o personagem, acostumado a ser os músculos quando em dupla com Le Chevalier, tem que se virar agora como cabeça pensante da investigação. Não que o Persa seja burro, mas é um sujeito cheio de manias, e por vezes parece fútil, mas vai mostrar seu outro lado e isso ajuda a dar mais profundidade a ele.

Referências são explicadas num texto no final pelo próprio autor. Uma ideia bacana pois fica como uma conversa após o conto. As referências ficam evidentes quando reveladas mas a ideia de ir descobrindo durante a leitura me compele a não as revelar e deixar para o leitor. Recomendaria mesmo que o conto não fosse grátis, então aproveite enquanto tem! 
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segunda-feira, 8 de maio de 2023

Resenha #284 Asilo nas Torres (Ruth Bueno)


"Asilo nas Torres" é uma obra obscura da ficção científica brasileira escrita por Ruth Bueno e lançada em 1979 pela editora Ática. Minha versão é do Círculo do Livro, antigo clube de livros por assinatura com obras em capa dura muito comum de encontrar em sebos pelo Brasil.

A obra é uma distopia narrada de forma fragmentada, por múltiplos pontos de vista ora por personagens sem nome, personagens com nome que são apenas uma letra ou, também, duas personagens chamadas Salomé e Assunta. A obra não é dividida em capítulos, mas em inserções dos personagens que descrevem algum aspecto da vida nas torres em Saturno. Não é o Saturno que conhecemos, mas um lugar impreciso e que a autora descaradamente não tenta explicar. Boa parte da obra não se trata de alguma trama em específico, mas várias passagens que formam um mosaico da vida nas torres.

Tiramos deste mosaico, um sistema de prédios onde se concentra a vida da administração pública deste mundo. Um local com uma burocracia rígida, voltada para a manutenção da própria existência e não das pessoas, por exemplo, nelas o ar é mantido em temperatura tão baixa para a manutenção das máquinas que as pessoas tem dificuldades de permanecer trabalhando perto delas. A organização burocrática é tomada de conchavos e sem amizades e laços fortes, qualquer um é levado ao ostracismo e vira mais um entre tantos funcionários. A estrutura patriarcal é especialmente cruel com as mulheres, principalmente as de pensamento minimamente livre, não obstante, as únicas que tem nomes próprios na obra.

A leitura não é fluida, ainda que o romance seja curto (128 páginas) demorei mais de uma semana para terminar a leitura. Acredito que o paralelo da cidade de Staturno, na obra de Ruth, e a cidade de Brasília, a torne mais interessante de se saber antes da leitura e quem sabe, a torne mais agradável. Nada que vá deixar a obra fácil, mas certamente não me arrependi de ter lido.
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segunda-feira, 1 de maio de 2023

Resenha #283 O Fruto Maduro da Civilização + O Éter Inconsútil (Ivan Carlos Regina)


"O Fruto Maduro da Civilização + O Éter Inconsútil" é um daqueles livros que se torna presença obrigatória na estante de quem gosta de ficção científica brasileira, por dois motivos. Primeiro, pela relevância do autor para quem acredita que a FC escrita aqui pode ser mais madura, com mais personalidade. Segundo reúne em uma publicação dois livros, que celebram a obra de Ivan Carlos Regina. 

Neste único impresso encontramos dois livros, sem contra-capa, apenas as duas capas, bastando inverter para começar a ler o outro livro. Encontramos assim, O Fruto Maduro da Civilização, obra de 1993 que reúne contos que investem no experimental e no humor, destoando completamente do que se caracterizou a ficção científica tanto aqui, quanto no exterior. Já o O Éter Inconsútil é uma reunião de contos que o autor publicou ao longo de sua carreira. As duas obras juntas são praticamente uma antologia do que o autor escreveu na ficção científica, uma vez que o autor não lançou outras obras do gênero, tendo apenas contos publicados em diversos lugares. Esta obra é fruto da mesma curadoria (Nelson de Oliveira) que nos presenteou com Fanfic, de Bráulio Tavares, pois é uma forma prática de acompanhar a produção do autor sem ter que catar publicações soltas e muitas vezes esgotadas, quando não raras.

Quanto ao estilo do autor, é indiscutivelmente peculiar. O uso do humor, sempre pelo caminho filosófico, as críticas certeiras a sociedade do consumo, da propaganda, da estupidez da civilização. Seu Manifesto Antropofágico da Ficção Científica Brasileira (de 1988) propõe um upgrade para a ficção científica brasileira, para que ela abrace o Brasil através do modernismo. Desde então, tornou-se incontornável e essas duas obras mostram o manifesto na prática. Essas características encontram mais concentradas no primeiro livro, e mais diluídas na questão da experimentação mas ainda muito presentes. 

O Éter Inconsútil trilha pelo caminho aberto por O Fruto Maduro da Civilização, que por sinal, é bastante curto e deixa saudades, que são satisfeitas pelo segundo livro. Uma vez que são mais de quarenta contos, somando os dois livros e se encontram praticamente todos os contos de FC do autor, não farei uma parte comentando conto a conto, mas praticamente resenhar o autor e recomendá-lo, pois é exatamente o que o leitor vai encontrar nessa obra. Vá fundo e divirta-se.


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terça-feira, 25 de abril de 2023

Resenha #282 Entre os Dragões e as Sombras, As Crônicas de Kérdar (Eduardo Alós)


"Entre os dragões e as sombras" é o segundo livro de contos das Cronicas de Kérdar de Eduardo Alós. Da mesma forma que no livro anterior, é uma coleção de contos com personagens secundários do romance principal da saga. O primeiro livro foi A Espada do Dragão e os Dragões Vermelhos dando pontapé inicial na saga, a coleção de contos Contos de Outrora trouxe contos com personagens secundários e explica com detalhes alguns eventos que ocorrem no primeiro livro.  "Entre os dragões e as sombras" funciona da mesma forma em relação ao segundo romance da saga O Mestre das Sombras. Contudo, diferente dos contos de Contos de Outrora, esta coleção de contos são um prelúdio, trabalhando quatro coadjuvantes que vão aparecer em O Mestre das Sombras, o segundo romance da saga principal de Kérdar. Vamos aos contos isoladamente.

Os dois primeiros contos tem um tom de tragédia anunciada que me remeteu as tragédias gregas, onde o acaso leva a grandes dores, mais que decisões ruins. Pîcundir, o Hamtammr, acompanha a vida do amaldiçoado Pîcundir, numa sequência direta do conto do livro anterior, Maldição em Alfheim, que procura um caminho duvidoso para livrar-se de sua maldição e acaba caindo em mais desgraças. Gabil, o Soberbo, acompanha o anão Gabil, que vive na Ilha dos Anões, que tornou-se muito mais dura após a guerra contra os Dragões Vermelhos, mas recebe a chance de se redimir com uma missão dada por um dos poderosos Nahons.

Dois dois últimos contos, temos histórias mais otimistas, de guerreiros que enfrentam obstáculos de frente e triunfam basicamente sobrevivendo. Erikka, Guerreira de Zeme, temos uma guerreira que se molda na batalha, mas não antes de sofrer um revéz e do fracasso, encarar inimigos que pareciam mais fortes e espertos que a Guarda da Província de Zeme. O outro conto, Jarkko, Lobo Solitário, é uma sequência direta, visto que o personagem título é uma criança no conto anterior. Jarkko é um jovem em treinamento para entrar na feroz elite de guerreiros lobo mas após um ataque de gigantes se vê obrigado a caçar sozinho para se provar como apto a entrar no grupo mais formidável de batalha entre os humanos.

Os contos vão progressivamente ficando melhores, sendo o último meu favorito do autor até então. Isso mostra uma evolução enorme de sua escrita. Vale a pena conferir.
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segunda-feira, 17 de abril de 2023

Resenha #281 Jardins Suspensos (Victor Allenspatch)


"Jardins Suspensos" é o primeiro livro da série Dente-de-Leão de Victor Allenspatch. Victor é um autor que trabalha de forma independente e esse novo trabalho é fruto do isolamento da pandemia, afinal são cinco livros, escritos e lançados no fim do ano passado. Não há uma abordagem direta sobre a pandemia mas é impossivel não perceber o isolamento e solidão dos personagens mesmo vendo eles percorrerem a cidade do Rio de Janeiro, mas aqui o isolamento é condicionado pelo uso da tecnologia. 

Acompanhamos Yara e Pedro, que vivem no Brasil do futuro onde grande parte dos problemas sociais estão resolvidos. Há impressoras que imprimem quase tudo que precisamos, mas uma crise de desempregados por causa dessa mesma tecnologia ameaça uma crise em toda a América do Sul (agora um único país). Yara e Pedro são dois dos últimos brasileiros com emprego e se veem sem rumo, em meio a crise que se instaura. Começamos com longos capítulos imergidos no mundo de cada um dos protagonistas separadamente, mas a medida que o mundo como conhecem desaba, os trechos individuais se intercalam cada vez mais até o derradeiro encontro, após quase se esbarrarem várias vezes.

A tecnologia que parece ter resolvido todos os problemas, mas o isolamento parece cada vez maior e a tecnologia de lentes não consegue mais encobrir. Pedro e Yara são jovens que se sentem completamente deslocados e sem propósito. Yara consegue se contectar a natureza e encontra conforto se distanciando de toda a convulsão social que se espalha nos grandes centros, mas Pedro acaba entrando para um grupo de revolucionários bastante típico de histórias Young Adult, onde um pequeno grupo de jovens tem chances reais de "derrubar o sistema", seja lá o que isso signifique. Esta foi a parte mias difícil de me conectar com a história, pois realmente não gostei, mas o drama pessoal de Pedro foi mais recompensador de acompanhar. Sem contar mais sob o risco de spoiler, a história de Yara e Pedro não termina neste livro. Neste ponto também esperava um fechamento de ciclo mais consistente, mesmo para um primeiro volume. Contudo, a escrita é tão boa quanto os outros escritos do autor e o crescimento pessoal dos personagens encontram uma curva satisfatória. Agora é acompanhar o próximo volume, Estaleiro Voltaire.

 
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segunda-feira, 10 de abril de 2023

Resenha #280 Fuga para parte alguma (Jeronymo Monteiro)


"Fuga para parte alguma" é uma obra clássica da primeira onda da ficção científica brasileira lançada em 1961 pelas Edições GRD, primeiro foco da ficção científica no Brasil. Temos aqui uma obra que faz um desenho filosófico de um pessimismo em relação a civilização humana. O livro se passa no longínquo século 122 em uma cidade avançada tecnologicamente. O autor não busca uma extrapolação social tão sofisticada mas se vale da ficção científica para extrapolações filosóficas.

A humanidade passa a enfrentar um inimigo inusitado. Formigas amazônicas mutantes que se espalham e começam a devorar humanos e animais. Começa um combate a esta praga mas logo vemos que a humanidade começa perdendo e se obriga a fugir, apesar de toda a tecnologia que dispõe. Podemos apontar o primeiro problema do livro: não há um esforço em retratar os humanos explorando outras formas de matar as formigas, como usando veneno, por exemplo. Vemos os humanos pegos de surpresa e incapazes de reagir. Reduzidos a sua animalidade e instinto de sobrevivência, como qualquer outro animal acuado. Acredito que é esse lembrete que o autor busca com a obra. Relembrar a nossa vulnerabilidade apesar de já termos dominado a natureza com tamanha eficácia ainda que de forma destrutiva.

Ainda que a reflexão seja válida, a obra não envelheceu bem. A imaginação ao retratar uma sociedade tão patriarcal e normatizada, neste futuro tão futuro soa como as obras de Asimov. Encaixa no contexto limitado da época em que foi escrita, mas como disse, envelheceu mal. Contudo, para o leitor que se dispuser a mergulhar nessa reflexão e neste mundo aterrador, será presenteado pela potência do drama humano, potencializado por cenas violentas dos ataques de formigas de vinte centímetros que agem como se fossem piranhas. Recomendo!
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