segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Resenha #207 - Realidades Adaptadas (Philip K. Dick)


"Realidades Adaptadas" é uma coletânea de contos de Philip K. Dick que reúne apenas contos que foram adaptados ao cinema. Apesar de o livro ser também uma bela lista de indicações de filmes, podemos ver um padrão na forma como as obras do autor são exploradas pelos roteiristas. O humor e a ironia de Dick são lixados em favor de um aspecto sério, como se todos os mundos do autor fossem distopias. Quem ler os contos, já conhecendo os filmes pode se surpreender com essas facetas e, quem sabe, procurar algum de seus romances.

Lembramos para você por atacado (We Can Remember It for You Wholesale): Conto que serviu de inspiração para o filme Vingador do Futuro, que começa apresentando Douglas Quail, um "assalariado de merda" que não tem o tamanho de Schwarzenegger mas deseja ir a Marte. Então, recorre a Rekordações para receber um implante de memória de como teria sido a viagem. Após complicações no procedimento a estória segue um rumo diferente do filme. O conto aborda o que restaria de nossa identidade se pudéssemos manipular as nossas lembranças e experiências de vida. Publicado também na coletânea Vingador do Futuro, coletânea Minority Report e coletânea Máquina Preservadora vol I, com o título Recordações Por Atacado.

Segunda Variedade (The second variery): Se passa em um mundo devastado pela guerra entre EUA e URSS. As tropas soviéticas, após tomarem os Estados Unidos, são praticamente dizimados por robôs chamados "garras", inicialmente controladas pelos estadunidenses. A estória começa quando um soldado russo vai até uma base americana entregar uma mensagem e Hendricks vai até a base russa investigar. As "garras" que parecem drones, logo, tomam formas mais avançadas, explorando e destruindo a humanidade nos soldados. Tudo isso narrado de forma crua, mostrando toda a miséria da guerra, sem nenhum traço de bom humor - como é comum em outros do autor. Também publicado na coletânea Minority Report.

Impostor (Impostor) é a primeira estória do autor sobre o tema "Eu sou humano?". Nela temos Spence Olham, que trabalha num Projeto (indeterminado, relacionado a corrida armamentista) e passa a ser perseguido pelo seu amigo policial que o acusa de ser um robô espião de uma raça alienígena que teria feito uma cópia perfeita da memória do verdadeiro Spence Olham. O que chama a atenção não é apenas a dúvida "sou humano ou não" mas a capacidade de transferir memórias para um robô e este adquirir todas as características. É o transhumanismo abordado décadas antes (1953) do movimento Cyberpunk (anos 1980)! Também publicado na coletânea Minority Report.

O relatório minoritário (Minority Report): Conta a estória de John Anderton comissário da polícia pré-crime, uma instituição policial que utiliza "precogs", mutantes capazes de prever o futuro. Tal qual o filme, os policiais prendem os assassinos antes de cometerem um crime e a trama começa quando o nome de Anderton é apontado como um assassino. A estória envolve a existência da própria polícia, contudo, o faz por caminhos diferentes do filme. O conto tem personagens menos "maquiados" que no filme. Anderton é gordo e careca (nada parecido com Tom Cruise, em 2002) e os precogs tem aspecto medonho. A crueza do conto está nos personagens e não na ambientação (enquanto o filme transferiu isso para a ambientação e contratou atores bonitos). É um ótimo conto. Também publicado na coletânea Minority Report.

O pagamento (Paycheck): Conta a história de Jennings que começa indo a empresa pela qual trabalhou por dois anos para receber o seu pagamento. Pelo contrato, Jennings teve a memória apagada para evitar espionagem industrial. Contudo ao receber os esperados 50mil créditos, recebe uma sacola com sete objetos sem valor e nenhum significado aparente. Desmemoriado e duro, Jennings descobre que nos dois anos que foram apagados de sua memória, uma ditadura foi implantada e o governo passa a persegui-lo por causa dos seus segredos. Agora Jennings tem apenas sete bugigangas para encontrar a verdade. O conto tem uma ação inteligente, eletrizante e, ao mesmo tempo, desenvolve um mistério que aumenta a cada vez que Jennings encontra uma utilidade para um daqueles objetos e apesar de querermos ir para o final o quanto antes para descobrir, o grande atrativo do conto é o desenvolvimento da trama.

O homem dourado (The Golden Man): Em uma sociedade onde mutantes são uma ameaça a humanidade, um investigador da ACD encontra um tipo de mutante que é capaz de prever o futuro, tornando impossível capturá-lo. Apesar de adorar o filme, em comparação com o conto, foi uma adaptação medíocre. Ainda que o poder do protagonista seja melhor explorado no filme, o conto traz uma reflexão sobre a dádiva que os poderes representam, não necessariamente são benéficas. A clarividência do protagonista acompanha um comportamento que o impede de ver o tempo como uma pessoa normal e o impede de estabelecer relações sociais. Seria bacana que o tema de superpoderes tivesse esse cuidado com as deficiências que os acompanham.

Equipe de ajuste (Ajustment Team): O humor e a ironia já são muito presentes nos contos do autor. Aqui ele é especialmente sagaz e cômico. Ed acorda para tomar seu café pela manhã e se vê envolvido no fracasso de uma missão de vital importância atribuída a um cachorro pelo Escriturário. Ed acaba passando por uma experiência que o fez enxergar uma distorção da realidade. A agência onde o Escriturario trabalha é obrigada a intervir, enquanto Ed tenta assimilar o choque pelo que viu.  

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