segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Resenha #303 Revista Histórias Extraordinárias, número 1


A Revista Histórias Extraordinárias editada pelo jornalista Marcos Cavalcanti e Mario Garnett foi lançada em dezembro de 2020 e até o momento está na sua sexta edição. Adquiri as três primeiras via Catarse, que acredito ser a principal forma de adquirir os números. A Editora Mundo trabalha com itens colecionáveis e alguns dos cartões vem como brinde nas compras por financiamento coletivo. A proposta é relembrar os tempos de revista pulp com narrativas de horror cósmico, sobrenatural e ficção científica. Como é comum nas revistas, há textos de outros tipos que circundam o tema. Uma entrevista, uma matéria e algumas pequenas resenhas de filmes, mas o grosso da revista é de contos.

A revista abre com uma coluna chamada Departamento de Ciência, com uma matérias sobre como as bombas atômicas jogadas pelos EUA sobre o Japão abriram o chamado antropoceno, um novo nível de domínio do homem sobre a natureza. Achei boa pelo ponto de vista técnico, mas havia um espaço para explorar mais o aspecto civilizacional do antropoceno. As resenhas de filmes e séries são sempre bem vindas, não assisti nenhum dos filmes e a série que recomenda infelizmente foi cancelada mas os textos são bons e sucintos. A entrevista sobre o radio amador eu gostei bastante, mas acho que ela deveria ir ao final da revista ou logo depois do conto que se conecta com ela, como forma de expandir o assunto, uma vez que a própria entrevista conecta os dois textos. 

Quanto aos contos, eles são bem apegados a proposta, o que achei ótimo tendo em vista que o espaço da revista não é tão grande. São 38 páginas bem grandes e cabe mais texto do que aparentava. O primeiro conto é O Colete Curativo, por Mário Cavalcanti que é uma ideia interessante mas pouco explorado, sobre um artefato de uso comum que parece saído de um mundo dieselpunk. Hypnos e Morfeu, de M. V. Garnett é um relato de uma invasão silenciosa de dois corpos celestes que bloqueiam a capacidade da humanidade de dormir, o conto desenha bem os efeitos da privação de sono enquanto mostra a vida de um operador de radio amador, ao ler o conto que imaginei ser melhor a entrevista vir logo após este conto. A narrativa é tensa e achei a melhor da edição. O segundo conto é longo, também e se chama Belvedere de Paolo Fabrizio Pugno, que aborda uma nave de mineradores de asteroides no Cinturão de Keiper que recebe uma dica de um corpo rico em metal rumando para fora do cinturão, que representa uma oportunidade de lucro exorbitante e irresistível. Sabemos que vai dar merda, mas só lendo para saber como isso acontece. Eles não eram verdes de Mário Cavalcanti, é uma abordagem bacana sobre o drama de uma família que tem um ente querido levado por alienígenas e encerrando Saturação por Marco Lazzeri, que é um diário de um minerador infectado em serviço, gostei do clima desconfortável mas senti falta de mais detalhes horrendos da doença.

O saldo da revista é bom, mas como tenho outras duas revistas para ler, espero que ela fique melhor. O formato físico dela não me remete aos pulps antigos principalmente pela qualidade boa do papel, que deveria ser a mais barata possível, mas quanto ao conteúdo eu achei coerente com a proposta.


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segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Resenha #302 Rio 60 graus (Fábio Fernandes)


Rio 60 graus do Fábio Fernandes é o livro 4 da coleção Dragão Mecânico da Draco, que reúne seis obras dos mais variados gêneros de alguns dos melhores autores da nossa ficção científica. Eu tenho a coleção completa, mas preferi começar por Rio 60 graus por ser cyberpunk, meu subgênero favorito, e não me arrependi. A obra é um caminhão de referências, numa escrita leve e descontraída, diálogos muito fluídos e já falei das referências? Então, elas dão um sabor especial a obra. Mas vamos falar disso enquanto falo um pouco sobre a história.

Acompanhamos Raytek, um garoto que tinha habilidades extraordinárias de hacker até fazer uma besteira no serviço e, como punição, ser injetado com algo que lhe retira as habilidades, mas recebe uma proposta de trabalho potencialmente perigosa de um empregador que promete remover o dano que sofreu. É na essência o mesmo enredo do clássico Neuromancer, mas a referência é tão intencional quanto a frase de abertura que faz um jogo de palavras com o início da obra de Gibson. (para quem não lembra: “O céu sobre o porto tinha a cor de uma televisão sintonizada num canal fora do ar"). Outras referências estão nas obras como Nova York 2140 de Kim Stanley Robinson, onde pulsos elevaram o nível do mar submergindo a Zona Leste do Rio de Janeiro e a Baía da Guanabara. As inserções da Colmeia, que lembram seu livro Os Dias da Peste. É até bacana imaginar que as obras fazem parte ora de um mundo, ora de outro, (na minha cabeça ainda não entra o copyright) mas o fato é que se trata de um mundo próprio e bem rico (ou talvez seja parte do mesmo mundo ), e o Rio de Janeiro, tão tecnológico quanto vivo. E tudo isso em pouco mais de cem páginas. O autor já manifestou seu desejo de expandir o mundo construído aqui e eu como bom fã de cyberpunk estou no aguardo.
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segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Resenha #301 Mundo Gibi nº4 (Paulo Kobielski)

 

Olá, pessoa! Hoje vamos falar novamente de um fanzine de quadrinhos independentes do Paulo Kobielski. Fanzineiro premiado da mesma cidade que eu, Alvorada/RS. O Mundo Gibi nº5 veio mais grosso, com 50 páginas e uma porrada de conteúdos. Essa edição é de outubro de 2021, com material referente a uma boa parte da pandemia. Como uma boa revista, veio com materiais variados.

As matérias são sobre o fanzineiro Oscar Kern, e seu personagem Homem-Força; e uma homenagem que receberia na 4ª Gibifest em 2019. Outra matéria é sobre a Mitologia Afro-brasileira nas HQs, seguias de uma resenha da HQ Contos dos Orixas do Hugo Canuto (já resenhada aqui no blogue) e, também, uma entrevista com Alex Mir, autor de outra HQ com o tema de mitologia afro-brasileira, Orixás em Guerra. Há uma crônica do Anderson ANDF, outro fanzineiro de Alvorada e uma matéria do jornal local, A Semana, sobre a consagração do Paulo como vencedor do 36º Troféu Ângelo Agostini, na categoria fanzine com a edição sobre o Vigilante Rodoviário.

Outra matéria muito bacana é sobre um detetive obscuro chamado Dylan Dog, criado na Itália e que eu nunca ouvi falar, mas achei muito interessante. Uma resenha de "Último Assalto" me fez querer catar essa revista para ler. Também sobre as histórias de Cazador, um anti-herói argentino e Caballeros, também da Argentina. 

Adorei a sequência de histórias do Aldo Mães dos Anjos, com várias histórias engraçadas sobre uma família se prevenindo contra a pandemia. Lendo assim não parece que iria ficar divertido ou sequer de bom gosto, mas as histórias são ótimas! Outra história, que também é sobre a pandemia, é de Laura Laco, chamada Atrás dos Números, que fez uma abordagem mais sensível que achei bastante tocante. Há também duas historias curtíssimas e bem divertidas do Juanito. Enfim. É tanta coisa que nem parece que coube em apenas 50 páginas, mas coube sem nada ficar apertado demais, com letras pequenas ou perda na qualidade. Mal posso esperar pelo volume 6!

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segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Resenha #300 Outros Brasis da Ficção Científica (Org. Davenir Viganon)


Para esta postagem de número 300, quero trazer uma resenha especial. A antologia que tive a honra de organizar foi a vencedora do Prêmio Argos de 2022 na categoria melhor coletânea/antologia. Estou falando da Outros Brasis da Ficção Científica, (2021), que abriu uma série de antologias temáticas de ficção fantástica que foi sequenciada pela Outros Brasis da Ficção a Vapor de 2022 e Outros Brasis da Ficção Cyberpunk, que está em produção. Porém para falar sobre a obra vou trazer o texto do Nelson Freiria publicado no excelente blogue Ficção Científica Brasileira. Boa leitura.

Tanto a FC quanto o Brasil são difíceis de definir, mas quando os vemos sabemos o que são. Ao mesmo tempo é necessário oferecer novas experiências ao leitor desse gênero: experiências brasileiras. É preciso não se prender a convenções enraizadas. Podemos buscar novas visões de mundo, buscar elementos regionais de Brasis distantes. Podemos expandir nossas formas de escrita, novas linguagens, que são exploradas por outros gêneros há bastante tempo. Todas essas inovações já estão aparecendo na FC brasileira e temos uma pequena amostra delas nos contos selecionados aqui. [Trecho do prefácio]

Em meados de 2021, a coletânea de contos Outros Brasis da ficção científica chegou como uma grata surpresa na literatura de ficção científica nacional. Enquanto o país atravessava o pior momento da pandemia de Covid-19, o livro organizado por Davenir Viganon achou caminhos para tocar os leitores, apresentando-lhes diferentes cenários brasileiros ou abrasileirados, diversos perfis sociais e uma grande diversidade de temas. Tudo isso em uma obra de apenas duzentas páginas.

Composta por catorze contos, sendo seis de autores convidados, sete de autores selecionados e um do próprio organizador, há narrativas de todos os tamanhos e gostos. A obra apresenta uma boa dose de crítica política, algumas vezes se relacionando com o momento de crise sanitária e a polarização que o Brasil vive nos últimos anos. Mas a coletânea também dialoga muito bem com naves espaciais, o planeta Marte, órgãos artificiais, plantas conscientes, distopia, sexualidade e muito mais. É nessa mistura de sabores que o livro consegue representar nosso país, que é plural em todos os sentidos.

Além de extrapolar a atualidade para nos trazer boa literatura, os contos, em sua maioria, também revelam os novos caminhos da ficção científica nacional, expondo as preocupações e os valores de autores que buscam narrativas cada vez menos engessadas, cada vez menos obedientes a padrões. Além disso, também há espaço para o cômico, um traço bastante comum em nossa literatura, e que permeia várias das histórias de Outros Brasis da ficção científica, oferecendo uma leitura bem à brasileira, sem jamais se esquecer das questões tecnológicas.

 A coletânea conta com alguns bons e conhecidos nomes, como Fábio Fernandes, Claudia Dugim e Gilson Cunha. Também apresenta alguns autores mais recentes, que vêm se destacando e conquistando espaço nas prateleiras, a exemplo de Lu Ain-Zaila e Ricardo Celestino. Não poderia deixar de citar, é claro, o inenarrável Luiz Bras, também entre os autores convidados. Mas o que mais me surpreendeu durante a leitura foi a ousadia dos sete autores selecionados ao explorar novos temas e estilos.

É incrível notar como todas as histórias são estruturadas com o sentimento de brasilidade, seja em elementos maiores ou menores, mas que causam facilmente a sensação de familiaridade nos leitores, seja nas atitudes dos personagens e nas situações que vivem, ou em como certos aspectos influenciam todas as coisas, por exemplo, a complicada política de nosso país. Talvez a melhor descrição desse aspecto esteja nas palavras do próprio organizador: “Por uma FC brasileira que transpire Brasil”.

Outros Brasis da Ficção Científica é a estreia de um novo selo dentro da Editora Caligo. O trabalho de edição foi altamente competente, tanto nas escolhas dos autores pelo organizador, Davenir Viganon, quanto pelo trabalho de edição da equipe capitaneada pela editora Bia Machado. Sem falar da belíssima ilustração de capa selecionada pelo designer Pedro Viana.



 


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segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Resenha #299 Piritas Siderais (Guilherme Kujawski)


Piritas Siderais, (1994) do Guilherme Kujawski é uma das obras precursoras do tupinipunk, que é a aproximação do cyberpunk para o Brasil. Digo aproximação, pois o cyberpunk brasileiro tem preocupações diferentes do americano. No caso de Piritas Siderais é vemos uma preocupação com a com a linguagem e com a subversão do próprio gênero, para transportar o leitor para um futuro próximo embebido de tecnologia com uma interpretação da espiritualidade.

O Brasil de piritas siderais é despido de sua casca cristã, assumindo seu interior iorubá. As cidades são regidas por orixás e o mundo é estacionado numa necessidade de reconstrução. A obra é curta, mas sua linguagem exige do leitor, principalmente no primeiro terço, onde os mundo e Zé Seixas e Terêncio Vale, (os protagonsitas) são apresentados. Uma vez imerso, a história bastante simples avança e conhecemos os vilões da obra, Maria Gonçalves e Berzelius Baldwin que lhes oferecem um trabalho que sabemos que vai dar merda. O que não deixa de ser um padrão de histórias cyberpunks. Personagens financeiramente na merda que aceitam trabalhos ruins que os colocam em situações muito ruins. Contudo, aqui o objetivo é satirizar ao extremo. Os personagens são engraçados, ridículos e as situações também. A linguagem é difícil, pois é experimental e compensa o leitor com uma história simples, pois permite o leitor se jogar no quebra-cabeça linguístico, sem tropeçar em um quebra-cabeça no enredo.

Minha recomendação é ler o livro com a mente aberta. Espere humor, aproveite cada frase pelo que ela inspira e siga lendo sem se preocupar com o tempo. São 136 páginas que passaram rápido e vão ficar na sua cabeça por algum tempo. Vai deixar confuso o leitor acostumado a leituras mais lineares, então é bom separar esta leitura para quando você estiver na vibe de algo diferente. Caso contrário deixe para depois. Eu fiz isso e valeu a pena.

Vou deixar o linque de outra resenha, de quem entende mais que eu sobre o livro, o Luiz Brás com uma versão em pdf da obra para quem quiser ler também!
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segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Resenha #298 O Espadachim de Carvão e a Voz do Guardião Cego (Affonso Solano)


Quase uma década após o lançamento de O Espadachim de Carvão, chega a sequência direta a história de Adapak e o mistério sobre o que ele é. Houve um segundo livro que voltava no tempo e acompanhava um ladrão lendário chamado Puzur, mas apenas agora ficamos sabendo o que aconteceu com Adapak após o final nada conclusivo do primeiro livro. Aliás, esse foi o que acredito o que menos gostei na obra. O final ficou abrupto e tudo ficou como se fosse um bom final de temporada de série mas não de um livro. Neste livro III, A voz do Guardião Cego, sinto informá-los que a história está longe do fim, porém o final foi muito menos abrupto e nos deixa muito mais interessado em saber o que vai acontecer. Resumindo, foi a mesma coisa, mas foi melhor feito.

Falei do final, mas não do início. Acompanhamos Adapak, filho de uma das quatro divindades de Kurgala (o mundo onde tudo acontece) logo após o seu sequestro por uma seita que acredita ter encontrado a reencarnação do seu profeta. Agora ele tem que lidar com o fato de que agora tem quatro esposas, fêmeas de quatro raças, destinadas a ter filhos que cumpririam uma promessa feita pelo profeta. Enquanto isso, Sirara, a pirata que havia salvo e depois perdido Adapak vai fazer de tudo para resgatar seu amigo (ou seu amor?) e pede ajuda para Jarkennun um antigo membro da tripulação do barco de Sirara que havia traído o antigo capitão, pai de Sirara, para ajudá-la a encontrar Adapak. O livro alterna entre o ponto de vista de Adapak, de Sirara e também de cartas escritas dos notários das esposas do profeta.

Aqui temos outra excelente aventura, conduzida com mais habilidade pelo autor. Apesar dos anos que separaram a leitura das obras, as raças inusitadas e bem concebidas, e toda a estranheza que é explorar Kurgala, foi uma experiência muito fluida e divertida. As ilustrações com personagens de raças diferentes ajudaram bastante a imaginação. O mapa mais detalhado é bem vindo, inclusive ele não está na primeira página, como tradicionalmente fica, assim como tudo em Kurgala foge e homenageia ao mesmo tempo ao gênero fantasia. Isso é evidente nas histórias que Adapak adora (Tamtul e Magano) e na própria construção desse mundo. É uma excelente leitura de praia e pode ser lida para relaxar e divertir. 
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segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Resenha #297 A sombra da Rua do Arvoredo (Davenir Viganon)


[Resenha escrita por Alex Oestreich]

A história a qual somos apresentados no belo conto do Davenir é um relato epistolar e ficcional, baseado em fatos. Neste caso, Os "Crimes da rua do Arvoredo" que foram episódios reais e insólitos que ocorreram na capital gaúcha entre os anos de 1863 e 1864. Pessoas eram atraídas por uma bela jovem até um local onde eram desacordadas e mortas. Após serem esquartejadas, sua carne era utilizada para a fabricação de linguiças que eram consumidas pela população em geral. (A famigerada rua do Arvoredo foi rebatizada e hoje é conhecida por "Rua Coronel Fernando Machado).  

O relato é de um chefe de polícia de uma Porto Alegre Steampunk nos anos de 1863-1864. Dario Callado, um homem moderno em todos os sentidos. Traz para a capital gaúcha o que há de mais recente em métodos científicos. Inovador, aplica seus conhecimentos à investigação policial e com isso, se destaca de toda a força policial de seu tempo. No entanto, Callado acaba se envolvendo na investigação de uma série de crimes grotescos, que vão acabar exigindo de si o máximo de entrega e colocando sua perspicácia a prova.

Ambientado numa Porto Alegre steampunk, somos apresentado à uma paisagem que remete a virada do século XIX. Em que ao mesmo tempo que carruagens puxadas a cavalo podem ser vistas como algo comum, suas ruas populosas e sua rotina provinciana se mescla com a "tecnologia" a vapor e as mais modernas descobertas científicas do período.

O conto é eletrizante e te prende do início ao fim. Cada nova descoberta, narrada por Callado, nos faz vibrar e cria uma expectativa que é muito bem conduzida pelo autor. A narrativa é fluída e joga muito bem entre a narrativa epistolar de Callado e as cenas de ação e suspense que nos são contadas.

O conto é uma espécie de prefácio de outra história maior que irá acompanhar a trajetória do filho do protagonista (Thedorico). Esta história foi lançada pela editora Caligo na coletânea chamada: "Outros Brasil da Ficção a Vapor".
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segunda-feira, 31 de julho de 2023

Resenha #296 Savage Worlds nº3 (Jerry Souza)


Estamos de volta para prestigiar a terceira edição da revista Savage Worlds. Projeto do Jerry Souza, que edita também a Revista Profecia. Recomendo fortemente o leitor conhecer o site www.profeciacomics.com e ver com os próprios olhos as edições virtuais para ler gratuitamente.

No terceiro número temos a continuação das aventuras de Peryc e de Brandar. Peryc, vive na Terra passados dois mil anos de uma guerra nuclear que fez a humanidade regredir a barbárie. Peryc está preso na cidade das guerreiras de ébano, onde ele é jogado em uma prisão e dali em uma arena onde tem que matar para sobreviver e é recompensado com o prazer de belos corpos das guerreiras, mas isso se mostra apenas uma forma de escravidão, sendo assim Peryc foge na calada da noite e encontra um deserto. Gostei como a história progrediu e mostrou como a cidade das guerreiras negras enriquece o mundo de Peryc. A corsária faz uma breve aparição e deixa curiosidade sobre o que vai acontecer com ela. A segunda aventura é de Brandar, onde vemos vagando pelo planeta desconhecido para ele, porém seu executor logo o encontra, dedicado a colocar um fim na vida do nosso herói exilado, nos revelando a existência de sete planos de existência, e deixando mais perguntas que respostas. 

Escrevo este comentário sabendo que as aventuras se encerram com o numero 4, que sairá no ano de 2023. Além disso, haverá um acontecimento muito legal nas duas histórias que não vou dizer para não dar spoiler. Agora entro em modo de aguardando ansiosamente!
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segunda-feira, 24 de julho de 2023

Resenha #295 O cometa + O fim da supremacia branca (W. E. B. Du Bois, Saidiya Hartman)

 



"O cometa" foi escrito em 1920 por W. E. B. Du Bois é uma peça do pessimismo que escancara as relações raciais nos Estados Unidos do seu tempo a partir de uma especulação típica da ficção científica. O que aconteceria se você ficasse sozinho e todas as pessoas do mundo estivessem mortas? E se você fosse negro? O que eventualmente muda em sua resposta, a partir da segunda pergunta é que ganha centralidade neste conto.

Acompanhamos Jim, um mensageiro de um banco em Nova York, nos anos 1920, que sobrevive a um evento catastrófico causado por um cometa. O que causa o evento e as suas consequências, não é o que realmente importa aqui, mas como sua relação com o mundo muda ao longo de sua jornada pelas ruas tomadas por pessoas mortas. Então, ele encontra Julia, uma mulher branca que também sobrevive, e nessa relação entre os dois sobreviventes, cheias de impressões entre ambos e a própria situação. O conto é curto e de linguagem objetiva mas é repleto de momentos que mostram como seria diferente com um homem negro, no lugar de um branco, andando solitário e, depois, encontrando com uma mulher branca sobrevivente.

É um conto que necessita uma leitura atenta a esse aspecto, para se tirar o melhor proveito da leitura. Contudo, mesmo para o leitor mais desatento é possível tirar várias reflexões do ensaio que segue a leitura do conto, que se chama "O fim da supremacia branca" escrito por Saidiya Hartman, uma pensadora de nosso tempo que tece muitas considerações evocando vários pensadores negros, como Frantz Fanon. Esse texto, na verdade, praticamente inutiliza a necessidade de uma resenha mais avaliativa sobre o conto, pois a autora do ensaio se debruça e tece com detalhes os vários aspectos que passariam batidos por uma leitura desatenta, ou de um leitor branco que não tenha conseguido se colocar no lugar de Jim. Recomendo a leitura por ser intensa em seus propósitos mas muito palatável em termos estilísticos. 

 

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segunda-feira, 17 de julho de 2023

Resenha #294 As Crônicas de Kérdar: O Mestre das Sombras (Eduardo Alós)

 



"O Mestre das Sombras" é o segundo livro d'As Crônicas de Kérdar, do autor alvoradense Eduardo Alós. Já falamos da primeira obra que apresenta o mundo mágico de Kérdar, baseado na mitologia nórdica onde guerreiros humanos e elfícos, travam uma guerra estúpida que mascarou um grande mal encarnado nos Dragões Vermelhos. Apesar de uma vitória e a formação de uma tríade de magos representados pelas raças que se uniram contra os Dragões Vermelhos (elfos, humanos e anões), era esperado que uma nova ameaça surgisse, anos mais tarde. No caso, foi mais de um século, quando os Dragões Vermelhos se tornaram histórias para apavorar crianças, e a tríade Nahon havia trocado seus membros algumas vezes.

Tudo começa quando Mezmelus, um humano filho de uma família de pescadores é convocado para ser o humano nahon, porém algo em sua personalidade não combinava com o que se espera de um mago da tríade. Eventos trágicos vão levar o mago que deveria proteger Kérdar em sua maior ameaça. Exatamente, o protagonista deste livro é o vilão, pois é ele quem movimenta a trama e sua jornada de decadência e corrupção é muito bacana de acompanhar. Um bom vilão ajuda qualquer obra a ganhar o senso de urgência necessário para fazer o leitor virar páginas sem parar, mas o melhor do livro é a construção de mundo. Kérdar está melhor trabalhada neste retorno. Mais raças se envolvem na guerra eminente, como os Ogros, Gigantes de Gelo (Ionymir), Hamtammr (Lobisomens) e Gnomos e novos personagens das raças conhecidas (humanos, elfos e anões) melhor trabalhados, mesmo com pouco espaço para cada um, pois há muitos personagens mas eles brilham como podem. Obviamente que alguns não tem como ser trabalhados profundamente mas os que são são bem feitos, como Erik, o irmão de Mezmelus, que quer impedir seu irmão mas é apenas um humano comum; Gabil, um anão que carrega uma mágoa do passado; Almaar, que vê o mundo que devia proteger definhar e não encontra uma saída; e até o Thymyr, Rei dos Gigantes, que não aceita cegamente as ordens do Mestre das Sombras.

A receita básica e batida das sequências, que é a do "mais e maior", não se aplica aqui. Obviamente temos uma batalha maior e mais desgastante, mas ela também é mais humana. Não por envolver mais humanos, mas com mais elementos que nos fazem envolver e nos importar mais com os personagens. Isso não torna a guerra menos estúpida e mesquinha, por mais que apoiemos o lado que quer apenas sobreviver, mas temos uma mensagem sobre o coletivo sobre o individualismo, na própria estrutura da história. Se no primeiro livro, surgem heróis que por seus feitos mágicos e poderes se tornam lendas, no segundo livro, o esforço coletivo de vários seres comuns (no caso dos magos, enfraquecidos, não pela sua magia) conseguem fazer frente a ameaça do Mestre das Sombras. Recomendo bastante para quem gosta de fantasia e quer devorar um livrão do tamanho de um tijolo, pois aqui ele estará bem servido. E para terminar a resenha com mais uma referencia culinária: mal posso esperar para repetir o prato pela terceira vez!   
  

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segunda-feira, 10 de julho de 2023

Resenha #293 Hiperhelix (Michel Peres)

 



"Hiperhelix" é minha última leitura da coleção "Futuro Infinito", como já disse antes é a melhor coleção da ficção científica brasileira lançada até agora. Hiperhélix é um exemplo de como a ficção científica escrita no Brasil poderia ser. Não que todos devessem copiá-lo, mas que o nível de escrita que concilia bem o nerd com o malandro, a viagem maluca com tramas interessantes, não se prendendo a armas e vingança. O uso criativo da imaginação para elementos tecnológicos, como o tecido quase vivo, as fofuras assassinas, o vírus no estúdio musical e um código que permite uma "vida eterna". Tudo isso perpassa em histórias que hora trazem o horror, outras a contemplação de elementos futurísticos muito bem explorados pelo autor.

"Droneboy" abre com um tupinipunk num ritmo frenético de um menino que faz entregas de pizza por drone e teve seu aparelho danificado por motoboys (concorrência), os problemas começam porque havia uma carga ilegal no drone que desaparece junto com o aparelho. Somos jogados habilmente pela linguagem solta de um moleque que entra numa enrascada e entra numa zona horrenda da cidade, digna de um filme de terror. Os diálogos são fluidos como descer num tobogã. Conto muito divertido. Excelente início. 

"Memento mori com fernet" acompanhamos uma artesã, que confecciona tecidos e faz roupas sob medida com uma espécie de tecido vivo, no Rio de Janeiro, quando ela conhece e se envolve uma garota ciborgue uruguaia que faz performances eróticas em casas de shows. Achei que o conto foi muito sensível na relação entre as duas, sem apelar para uma erotização das personagens e focando na relação de fascínio e mistério que a uruguaia exerce sobre a protagonista. Outro conto com pegada tupinipunk que nos leva a estranheza numa corriqueira lojinha de roupas no futuro.

"Girassol negro" é uma história de viagem no tempo, que não tenta brincar com paradoxos, e por consequência também não tenta usar a viagem temporal como solução fácil para a resolução da história. O viajante no tempo está atrás de um quadro raro de Van Gogh e acaba se metendo demais na vida do pintor e se deixa levar pelo encanto de suas obras. Acompanhei a trama gostando tanto dela, que seu desenrolar foi mais satisfatório que seu desfecho. E o desfecho foi muito bom! 

"Intermitências" acompanha Deisi, uma jovem solitária que busca a solidão e a contemplação de paisagens em jogos multiplayer online abandonados. Ela entra em uma espiral maluca quando encontra um avatar que passeia por diversos jogos e cenários, apresentando-se como um deus. O mistério toma conta de todo o conto e envolve bastante até o seu desenlace. É possivel mergulhar na solidão e nos cenários que ela busca para fugir do mundo. Muito bom!

"Preto digital" acompanhamos uma xamã digital contratada para remover um vírus de um estúdio musical de uma senhora excêntrica, mas o passado desta mulher acaba envolvendo a protagonista de uma forma muito doce na sua vida. O conto tem uma pegada muito parecida com o primeiro conto. Há um toque de morbidez mas é um encontro da vida muito bonito. Tanto que a qualidade quase viva do estúdio lembra um pouco com a característica viva dos tecidos da artesã do primeiro encontro.

"Nilsinho Pause" conta sobre um artista performático no futuro, que dá nome ao conto. Um brasileiro de origem nordestina e pobre que viajou o mundo e agora está preparando uma performance na cidade onde nasceu. Me fez lembrar a alegria e irreverência de Ruby Rhod (Chris Tucker em o 5º Elemento) ou Zimba Blue em "Love, Death & Robots", mas obviamente com uma pegada muito brasileira. A leitura é feita em alta velocidade, num ritmo frenético como o segundo conto.  

"Os filhos dos homens" conto é narrado em primeira pessoa pelo protagonista, uma raça artificial criada para trabalhos manuais nas colônias marcianas. A graça é buscar se colocar na pele de um explorado com vocabulário e cérebro não feitos para pensamentos complexos, mas também não significa que não queiram lutar pela própria sobrevivência por mais passivos que posam aparentar. Apenas pelo conto se passar em uma colônia marciana já me chamou a atenção para o texto.

"A eva mitocondrial" conto que encerra o livro, com uma paródia das histórias de investigação, porém ela percorre caminhos ocultos de uma Recife futurista, na pele do investigador Juarez, que foi enviado para recuperar um codigo de DNA que permitiria a "vida eterna". As cores com que o autor pinta esse submundo são extremamente vivas. Assim como Roberto Causo, Peres usou o contraponto direto com o estrangeiro para mostrar a brasilidade, mas além disso uma porção de lugares, diálogos e referências que só poderiam ser mostrados por um brasileiro, e nem todo o brasileiro. Eu mesmo me senti embrenhando em corredores escondidos e maravilhado pelas novidades como um estrangeiro. Conto é como um bom tupinipunk devia sempre ser e mais. O conto coroa essa obra que reúne excelentes contos. Adorei! 

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segunda-feira, 3 de julho de 2023

Resenha #292 Mundo Gibi nº4 (Paulo Kobielski)

 



Quem já curte fanzines deve conhecer o Paulo Kobielski, premiado mais de uma vez por seus trabalhos. Nesta edição do seu Mundo Gibi, ele traz uma entrevista muito bacana com o quadrinista Pablito Aguiar, sobre a mistura de jornalismo com quadrinhos, uma combinação que é pouco comum mas que vemos ao longo da conversa como ela faz sentido e nos deixa se perguntando porque não é mais usada! A entrevista tem várias ilustrações das entrevistas do Pablito. Antes disso, tem um artigo muito bacana com o Cavaleiro Solitário, que trouxe muitas coisas que eu não sabia. Leitura enriquecedora. 

Tem também a parte final de uma entrevista muito bacana também do Rubens Francisco Lucchetti, figura clássica do terror no Brasil, contando muitos causos. Tem um artigo do Paulo sobre os fanzines como resistência na contracultura, com o prof. Denílson Reis, também outro fanzineiro clássico; e também uma minicrônica do Anderson ANDF. Entre as matérias alguns quadrinhos curtinhos, afinal o nome da revista é Mundo Gibi. Muito bacana a publicação, a capa colorida e interior P&B em boa qualidade, dá gosto de ler e o conteúdo é muito legal e relaxante de ler.

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