terça-feira, 28 de maio de 2019

Resenha #95 - Mona Lisa Overdrive (William Gibson)

Mona Lisa Overdrive é o livro que encerra a Trilogia do Sprawl de William Gibson, que iniciou com Neuromancer e continuou com Count Zero. No primeiro livro Gibson nos apresentou a matrix, e o conceito de ciberespaço, a alta tecnologia com baixa qualidade de vida que caracterizam o cyberpunk. Na sequencia, as inteligências artificiais derivadas das transformações na matrix nos apresentaram os Loa, divindades do Vodu muito poderosas. Na conclusão da saga, temos de volta os elementos predominantes nos dois livros.

A primeira coisa que notamos é a estrutura narrativa de acompanhar vários personagens em separado que convergem para uma mesmo final onde suas histórias se cruzam, como em Count Zero. Dessa forma, acompanhamos Kumiko Tanaka a filha de um membro da Yakuza enviada a Londres pelo seu pai para protegê-la de um conflito na organização. Ela fica na casa de Swain, um ambicioso homem do submundo. Angela Mitchell, que depois de ter sido salva por Turner no livro anterior, agora é uma estrela da mídia mas que luta para se livrar da influência do Loa. Mona, uma prostituta que é contratada para uma transformação corporal. É viciada em drogas e faz pouca ideia de onde está se metendo.  Também temos Gendry e Cherry, um cowboy e uma paramédica que cuidam de um misterioso homem preso ao ciberespaço. Por fim, temos a volta de Molly Millions que está sendo perseguida por uma IA vinda de seu passado.

A escolha por várias linhas narrativas e praticamente todas elas guiadas por mulheres é muito bacana, pois dá um sentido de catarse no seu fim, contudo aqui as coisas demoram mais para engrenar, pois o livro (e a trilogia também) vão chegando ao final e as explicações não aparecem. Porém quando aparecem e a sequência final na fábrica são excelentes apesar de muito curtas. Muita coisa acontece ao mesmo tempo e não conseguimos apreciar de forma adequada porque o texto fica muito corrido. Isso já era um problema em Count Zero, mas aqui fica mais evidente pois temos mais linhas narrativas e resoluções de toda uma trilogia.

Apesar de todas essas ressalvas, quem chegou até aqui é porque gostou minimamente dos outros livros e então vai conseguir gostar deste também. Não se trata apenas de sua importância conceitual (já marcada na história pelo primeiro) mas também como história. Recomendo a leitura com peça essencial para aprofundar o cyberpunk.

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segunda-feira, 20 de maio de 2019

Resenha #94 - Sombria (André Vianco Org.)

Sombria pode parecer mais uma coletânea de contos de terror criada por editoras pequenas que quase ninguém vai ler, e em parte é, mas também tem algo que é muito importante para mim. Foi a primeira onde tive um conto de minha autoria selecionado. Além do motivo pessoal, Sombria tem outro diferencial das demais coletâneas de contos que quase ninguém vai ler: Não foi uma coletânea de vanity press, em outros termos, não paguei para publicar. Na época da seleção, entre fins de 2015 e inicio de 2016, estava desempregado e sem condição alguma de desembolsar qualquer valor para ter 5 páginas de qualquer coisa num livro e isso foi crucial para enviar meu conto para a seleção de André Vianco (através de sua escola de escritores Vivendo de Inventar), que saiu pela editora Empírio em 2017.

O livro conta com 42 contos que giram em torno do Terror/Suspense e do conceito de Sombrio, além de serem ambientados no Brasil urbano. O organizador, na época da seleção para a antologia, fez uma live pela internet para explicar os termos e fazer uma propaganda dos cursos já que metade das vagas para publicação seriam de seus alunos e outra metade de pessoas de fora. Achei justo, principalmente em comparação as editoras vanity press, que infestam o mercado. 

A chamada para os contos buscava concatenar três conceitos básicos: O de "Sombrio", o de "Brasil" e o de "Urbano". Ficou implícito que seriam do gênero de Terror, ou próximo, e essa linha foi seguida com sucesso. O cenário se passar no Brasil já foi ignorado por uma pequena parte dos contos pois alguns soaram enlatados estadunidenses, com muitos estrangeirismos passando longe de terras tupiniquins. O conceito de "Urbano" foi o mais ignorado pois foi estabelecido a preferencia por contos em cenário urbano e alguns contos fazem exatamente o inverso, o que dá uma impressão ruim de que alguns contos foram tirados da gaveta (o que não é sempre ruim) e mal adaptados, quando são, a coletânea. No geral, os contos conseguem se manter num eixo em comum, como se espera numa coletânea temática. 

Agora vamos ver os contos avaliados um a um. Foram impressões anotadas a leitura de cada um e reunidas na parte que segue. No fim vou listar meus favoritos.
    
1-A Carta (T. C. Oaks): Um relato, como que encontrado numa garrafa no oceano, de um homem solitário em um mundo tomado por zumbis. O protagonista escreve uma carta contudo suas emoções em relação a sua amada oscilam muito para quem está com uma convicção de que irá se arriscar a encontrá-la, pois a carta é escrita em um único momento. Envolvente mas pouco sombrio.

2-A mãe de Cássio (Margareth Brusarosso): Cássio e seu irmão mais novo Salvador são dois meninos que moram com a avó e vão visitar a mãe que está em um hospício por acreditar que um demônio a persegue e então Cássio vê que sua avó tem uma boneca estranha no quarto. Conto bem simples e razoavelmente envolvente, senti falta de um peso na participação da avó.

3-A bruxa no espelho (Osmildo Antônio): Greg conta em retrospectiva, ao seu psiquiatra, como sobreviveu a um massacre de adolescentes em uma casa amaldiçoada. História batida com um bom mistério e resolução. Os nomes dos personagens (como: Cal, Pit, George, Greg) tiram um pouco a força do conto dando a ele uma cara de enlatado americano.

4-A garota do Breu (Ingo Muller): Um motorista do aplicativo Breu, Anagrama para Uber, faz uma corrida para uma moça quando taxistas aparecem e não sabem lidar com a concorrência. O conto com sabor gostoso de "causo", bem adaptado a meio urbano do Brasil, atual pelo uso de aplicativos de corrida e também a realidade da vida de trabalhador autônomo.

5- A garota no espelho (Eduardo Velásquez): Danilo parece acostumado a conversar com Alexandra, uma menina que vive em algum lugar dentro dos espelhos. Conto criativo, na história e na forma com que é contada. Sucinto, simples e misterioso.

6-A próxima (Tereza Cristina Lima): Menina suicida é salva de tentativa de suicídio por mãe católica e pai médico. Conto com mistério bem envolvente em relação a motivação da protagonista e uma resolução muito boa. Terror puxado ao psicológico e bem ambientado no Brasil.

7-Alice na casa assombrada (Arthur Tribuzzi): Alice é uma menina que está de mudança com seus pais para uma casa nova, mas ela não está nada feliz com a novidade. Na sua primeira noite seu urso de pelúcia Angus torna-se animado e tem uma ideia. O conto é bem narrado e passa a urgência no momento certo mas a ideia da casa assombrada como foi posta soa pouco brasileira, tampouco universal e mais terror padrão estadunidense.

8-Aquilo que não se vê (Helena Soares): Um padre chega a uma pequena cidade no sul do Brasil para um caso de exorcismo. Conto usa da sutileza e da sugestão para surpreender no final. Acredito que tenha funcionado comigo.

9-As cartas não mentem! (Felipe Oberon): Uma menina lê uma carta misteriosa da sua tia, Dona Iraci, para seus amigos. Conto com aquele gostinho bom de "causo" e que usa bem o artifício da carta para criar e desenvolver o mistério.

10-Asas da Vingança (Franco Nogueira): Conto clássico de vingança, mas que capricha na sua forma e é repleto de boas escolhas. Quando Esperança, a irmã mais nova de Coragem, é morta de forma brutal, sua irmã se torna Vingança. O conto sabe passar as informações minimas e necessárias com um bom estilo.

11-Baixo Augusta (Jack Cavalaria): Jovem de classe média cai no conto do boa noite Cinderela mas quando acorda seus problemas apenas começaram. Conto é bastante frenético mas não é nada sombrio, estando mais para o divertido na maioria das vezes. É muito bom mas desencaixado da proposta da coletânea.

12-Caçador de monstros (Aline Basoli): Um autointitulado caçador de monstros trava um diálogo consigo sobre como eliminar mais um monstro em São Paulo. Conto bem construído praticamente só com diálogos, o que é muito bacana mas o mistério do conto é rapidamente perceptível e infelizmente ele não avança muito mais que isso.

13-Carrancas (Paulo Souza): Felipe é um jovem que vai a uma cidadezinha em Alagoas pelo testamento de seu tio, último parente vivo que lhe deixou uma casa na cidade. A cidade histórica de Penedo se mostra macabra pelas pessoas e pelas carrancas, imagens que existem em todas as casas da cidade. Conto envolve bem o leitor e o final esperado não é menos assustador por causa disso.

14-Cascos e Cruz (Irene Syrogiannis): Pastor Maurício foge pelas ruas do Rio de Janeiro perseguido por uma besta descomunal enquanto reavalia seus próprios pecados. Conto sobre vingança, escrita seca e sem exageros que me agrada. Boa história.

15- Clube da Lobotomia (Davenir Viganon): Conto de minha autoria nessa antologia. O conto narra, em primeira pessoa, sobre como um rapaz conheceu uma mulher de cabelos roxos nas baladas paulistanas e como ela mudou sua vida para sempre. Tudo regado a drogas, sexo e um clube secreto. Procurei atender aos requisitos da edição que eram: a história deveria se passasse no Brasil, em ambiente urbano e que tivesse um clima sombrio, sem necessariamente ser terror. O conto tem tudo isso e alguma influência do cyberpunk. Não ouso me dar nota, apenas espero que leiam esse conto, algum um dia!

16-Complexo de Judas (Jefté Gabriel): João em um ato de raiva matou Madalena e seu amante e pede ajuda para Alan, seu amigo. Conto desenlaça um mistério maior entre os dois. O autor cria uma boa tensão e ressalto para o uso da tecnologia que influi na história, algo básico e muito esquecido para escrever uma história que se passa atualmente. O final é satisfatório.

17-Corpos (Branca): Clara é uma jornalista de imprensa marrom que investiga um caso de transferência de corpos, quando seu sogro, com quem não se dá bem, tem uma dica que pode levar até Ágata, a bruxa que alega ser capaz de fazer tal feitiço. Premissa já explorada, mas sempre apavorante. O mistério e destino de Clara são óbvios mas o conto vale pela boa condução.

18-De volta ao moinho (Clóvis M. Fajardo): Edson é um jornalista que investiga fenômenos paranormais, o que o leva até uma cidade pequena onde supostamente havia uma ceita que poderia levar até o livro dos mortos, o Necronomicon. Narrativa segue os passos de Lovercraft mas infelizmente não consegue adaptar a linguagem ao Brasil contemporâneo de forma natural, infelizmente soou genérico.

19-Desculpa (Rodrigo Sicário): Cíntia e seu marido, João, saem para jantar com a filha dele, Karina, do casamento anterior. Cíntia tem todos os motivos para estar irritada até que uma tragédia acontece. Conto se desenvolve muito bem durante todo o conto até o final excelente e tocante. Aplausos ao autor.

20-Desespero (Jonatha Victor Chagas Pereira): Maicom e Sandra vivem em seu apartamento em Fortaleza quando seu filho de colo some. Conto narra a perseguição frenética e trágica a seu filho. História crua e cruel, retratando um medo muito comum dos pais e extrapolando ao máximo, mas pouco mais profundo que isso.

21-Do outro lado da rua (Lucas Bustamante Van Wijk): "Leonardo trabalha duro num escritório de advocacia em Belo Horizonte. Numa noite em que voltava muito tarde para casa, é cercado por mistérios da noite que se confundem com seu cansaço. O conto se mantém misterioso até o fim, sem fazer referência direta a nenhuma lenda urbana em específico. É um bom conto, escrita correta e com um bom final. Talvez, aberto demais pois umas linhas a mais para explicação cairiam bem.

22-Doce Garota (K. Leine): Kaique mora em um condomínio tranquilo quando conhece Diana, a cuidadora do filho dos vizinhos novos. Após um breve envolvimento entre os dois a verdadeira face de Diana parece revelando um crime. Conto envolvente mostrando um mal não-sobrenatural. Interessante sucinto mas a revelação final não é suficiente boa para que o conto seja ótimo, apesar de bem escrito.

23-Encontro com a morte (Pollyana Koga): Ladrão invade casarão de casal para roubar joias e se depara com um terror inimaginável. Conto frenético que nos faz saborear cada momento como se fosse uma respiração, e o final nos deixa imaginativo, para que o leitor complete.

24-Eu não estou lá (Oghan Crann Criath): Homem sente que está indo a loucura quando enxerga sombras em seu apartamento. A narração em segunda pessoa é o grande diferencial do conto aumentando a paranoia do personagem e a relevação final apesar é boa, mas o  que atrai no conto é o desenvolvimento competente em trazer paranoia e angústia nos pequenos detalhes.

25-Fantasmas da Vida (Gabriel Walsh): Susana é uma menina pobre que vende geladinhos após seu pai morrer de câncer, que no dia de Natal é salva de bandidos pelo misterioso Etrom. Conto apela bastante para o drama, com clichês bastante óbvios, não indo muito além disso.

26-Fazendo as malas (Clayton Adriano Aleixo dos Anjos): Alan está no centro de São Paulo com um velho misterioso, mas logo vai descobrir o que aconteceu. Conto baseado nos diálogos e nas sensações do protagonista. Consegue manter o suspense mesmo com uma história comum, pois aqui a forma fez tudo valer a pena.

27-Fé (Ricardo André): Ela tem fé mesmo depois de perder o marido e o filho pelos desígnios do senhor. O conto narrado em primeira pessoa usa muito bem o único ponto de vista para sugerir que o que a protagonista do conto relata não foi exatamente daquela forma. Além de sombrio, é atual e bem escrito.

28-Final Feliz (Alex Rebonato): JC Ramos é um escritor de sucesso, com 15 livros publicados, quando a sua esposa pediu o divorcio. Ela era o seu pilar e na sua casa no interior do Espírito Santo ele tentaria voltar com ela. O conto é um caso clássico de traição. Os elementos do mistério estavam muito óbvios assim como o final.

29-Gatos (Rubem Travassos): Criança que mostra sinais de psicopatia, tenta lidar com as novas namoradas do pai solteiro. Conto clássico de psicopatia infantil, desenvolvimento linear com mistério e final óbvios.

30-Gavetas (José Gaspar): Uma mulher narra suas impressões do seu último encontro. Conto sucinto e direto mas bastante envolvente. É o menor conto do livro e mostra como a economia de palavras pode ser benéfica.

31-Hora azul (Rafael Lima): Misterioso homem narra sua visita para uma garota, que é objeto de obsessão. O grande atrativo é a narração em segunda pessoa, no tempo passado. A forma é interessante pois consegui preservar o suspense mesmo sem uma história elaborada. Bom conto.

32-Natureza Morta (Carlos Sanches): Um garoto filho de um vendedor ambulante, encontra conforto na vida dura com seu novo cachorro, o Trombada. Até que Lúcio, um pintor sinistro aparece na feira. Conto faz boa menção ao clássico Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde e isso conta mais sobre o conto do que gostaria. Bom conto.

33-Noites de Inverno (Sylvio Kappes): Isabela vive sozinha e triste em Porto Alegre. Tem seu celular roubado de um mendigo mas o mendigo, que se mostra sinistro, a persegue. Conto consegue traçar um quadro de solidão e violência da metrópole com aquele elemento de sobrenatural que nunca se revela totalmente o que me lembra Joseph Conrad. Muito bom!

34-O Farol (Luana Frota): Garota vive numa cidade praiana perto de Fortaleza com pai e mãe. Ela está pouco adaptado até que  uma estranha vestido de preto vira sua confidente. Conto traz uma abordagem interessante da Morte pela reação da protagonista. Bom conto!

35-O preço do Sonho (Pedro Palaoro): Eleonor é uma cantora e compositora  que vive na Cidade Baixa em Porto Alegre, até que de passagem pelo Parque Redenção encontra um sujeito misterioso que o faz uma oferta que lhe trará tudo que sonhou, mas por um preço. O conto traça o caminho clássico da tentação mas o final ficou um pouco forçado, sem um preparo envolvente que merecia.

36-Pecados em Escarlate (Eduardo Novaes): Firmino, um velho escravizado do período imperial, relembra seus erros em seus momentos derradeiros antes da morte. A ambientação no passado dá frescor a coletânea contudo tudo parece uma mera introdução de algo maior que um conto em si. Ainda assim, muito bom!

37-Rosário (Rodrigo Tavares): Rosário acorda de manhã antes de seus pais e ruma para a floresta onde entrega-se aos ensinamentos de bruxaria. Conto narra o início e o fim de uma bruxa, é bem narrado. É como se tentasse sublimar, passar do início ao fim sem um meio.

38-Sombra (João Peçanha): Homem acorda sem memória e é perseguido por uma sombra e assolado por um medo inominável. O suspense é bem construído e o autor nos conduz bem até a a revelação final que é muito bem boa.

39-Teu futuro te condena (Aldenor Pimentel): Bebê assolado por uma profecia de que se tornará um assassino desde que nasceu, encontra seu momento crucial. Narrado como uma profecia dá uma forma maravilhosa para o conto, sem usar o máximo de palavras. Ótimo conto!

40-Vermelhas como sangue (Emily Cheryl): Mary vai ao interior de Minas Gerais para visitar sua irmã e sobrinho que sofrem violência do seu marido, Meseias porém quando ela chega na cidade, o sobrinho Guilherme está sozinho e sujo nas ruas da cidade. Gostei muito da história, mas acho que o conto pode ser melhor lapidado, pois não consegue estabelecer o suspense entregando muito cedo o final da história, tirando seu impacto.

41-Vulto (Vagner Neubert): Marcos está no hospital com sua esposa grávida prestes a parir, quando vê um vulto sombrio pelos corredores. Marcos sente que a vida de seu filho podia estar em risco. Conto deixa sua explicação em aberto e a forma como o suspense foi construído o torna uma excelente leitura. Muito bom!

42-Dentes (Andrei Simões): Nirril Lutho é um jovem bonito, rico e popular até que seu corpo passa por mudanças que não lembram em nada a puberdade. Conto muito criativo, parece ter influência em Chuck Palahniuk e prende a atenção do inicio até seu final. Maravilhosamente bizarro!

Destaques: 42-Dentes (Andrei Simões); 41-Vulto (Vagner Neubert); 39-Teu futuro te condena (Aldenor Pimentel); 38-Sombra (João Peçanha); 33-Noites de Inverno (Sylvio Kappes); 30-Gavetas (José Gaspar); 27-Fé (Ricardo André); 26-Fazendo as malas (Clayton Adriano Aleixo dos Anjos); 19-Desculpa (Rodrigo Sicário); 13-Carrancas (Paulo Souza); 10-Asas da Vingança (Franco Nogueira) e 05-A garota no espelho (Eduardo Velásquez).
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terça-feira, 14 de maio de 2019

Resenha #93 - A Máquina do tempo (H. G. Wells)

Estamos de volta aos clássicos, e agora vamos resenhar uma obra de um dos autores mais importantes da Ficção Científica, por ser um dos seus precursores. "A Máquina do tempo", é tão impactante que criou um subgênero na Ficção Científica. Histórias sobre viagens no tempo se tornaram populares graças ao sucesso dessa obra e hoje é um recurso narrativo utilizado a exaustão, principalmente pelos quadrinhos e cinema - vide o último filme dos Vingadores. 

A história é bastante simples. O narrador é um amigo do homem que é referido apenas como "Viajante do tempo" que narra para este e seus amigos a descoberta de um maquinário feito por esse homem que promete fazer viagens temporais. No outro dia, o Viajante no tempo volta em farrapos e conta como foi viajar para o ano 802.101. Esta forma abre precedente para que tudo não passe de lorota do nosso Viajante.  

Uma vez acreditando no Viajante, temos a vida animal na Terra reduzida a seres humanos frágeis, frívolos e estranhamente felizes chamados Elois. Esses pequenos seres, não conseguem ajudar o Viajante a recuperar sua máquina, que some logo depois de sua viagem. Na sua busca, o Viajante descobre uma outra raça de humanos, os medonhos Morlocks. Como a narração aponta, o protagonista retorna ao seu tempo, mas não antes de avançar até o mais perto do fim da Terra e do Sol que consegue. 

Wells consegue nos transportar para uma visão potente e viva em muito poucas palavras. Obviamente pelo texto curto, as soluções, principalmente a final, parece um pouco apressada, mas nem por isso estragam a obra pois a aventura em si não é o principal mas o mundo que ele encontrou na viagem e as reflexões que seguem. 

A edição é a 4º da Francisco Alves e tem uma introdução sensacional de Jorge Luiz Borges. Vale a pena ler por ser um clássico e pelas reflexões. Recomendado!
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terça-feira, 7 de maio de 2019

Resenha #92 - Espadachim de Carvão: As Pontes de Puzur (Affonso Solano)

"Espadachim de Carvão: As Pontes de Puzur" de Affonso Solano é a continuação de Espadachim de Carvão que expande o continente de Kurgala, adicionando elementos de outra era na história do continente pois a história volta ao passado. Desta forma o personagem principal acaba sendo o ladrão da raça Ushariani chamado Puzur, ao invés de Adapak.

Puzur é mencionado no primeiro livro como o primeiro possuidor conhecido das três espadas lendárias: Igi e Sumi (que vemos no livro anterior com Adapak) e Lukur (que Telalec usa para rastrear Adapak) e sua estória começa quando o ladrão vai entregar o produto de um roubo a ricaços e tudo dá errado. Na fuga, encontra uma cocheira chamada Laudiara que passa a ser sua companheira nessa aventura na qual encontra uma ordem religiosa de fanáticos entre outros mistérios, mas não apenas isso. No primeiro romance temos uma estrutura interessante de revezar o passado do protagonista com o presente. Nesta sequência, a obra intercala o que aconteceu com Adapak com a história do ladrão ushariani.

O livro conta com trechos escritos como carta, o que acho sempre bem vindo, e contém o mapa de Kurgala, que quase sempre faz falta num livro de fantasia. A escrita continua ágil e leve apesar da diversidade de raças travar um pouco a leitura numa história tão curta. O aspecto ruim do livro é que ele acaba sendo uma transição de um livro que ainda não tem previsão de sair. Aguardemos.

Atualização. O terceiro livro saiu. Clique na tag da Série: Espadachim de Carvão.
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terça-feira, 30 de abril de 2019

Resenha #91 - Dezoito de Escorpião (Alexey Dodsworth)

Dezoito de Escorpião de Alexey Dodsworth é um romance de Ficção Científica brasileira, vencedor do prêmio Argos 2015. A obra consegue combinar tanto uma obra de ficção clássica com uma ambientação no Brasil de forma muito sólida.  

Na história, acompanhamos vários personagens que invariavelmente sofrem com a sensibilidade eletromagnética alem de seus próprios contextos sociais, sendo os principais: Arthur, Laura, Lionel e Martin. Todos acabam sendo convidados pelo misterioso Dr. Ravi Chandrasehkar para habitar a Vila de Mahipu, um vilarejo indígena onde a organização secreta Areté abriga vários "Eleitos" portadores da sensibilidade para estudos. A história remonta diversos momentos do tempo, dos anos 1920 até 2070, passando pela descoberta de uma estrela gêmea do sol, a 18ª estrela em brilho da constelação de escorpião até pela busca de novas forma de vida inteligente no universo.

O que chama a atenção é a desenvoltura em criar uma ficção científica brasileira em que não se pauta no que acontece nos Estados Unidos, o que é bem vindo pois o complexo de vira-latas torna isso tudo mais inusitado que deveria. Outra qualidade bem vinda são as histórias dos protagonistas antes de se cruzarem, sem muito moralismo contam histórias tristes e pesadas e muito bem trabalhadas. Contudo, a história em si não desenvolve de forma conclusiva e isso se justifica pela continuação que se molda a medida que o livro vai terminando.

Acreditava que o livro terminaria em si, pois estava com planos de terminar as sequencias de obras já lidas e não de iniciar mais outra. Isso vai ter que ficar com o próximo livro, mas este vai ficar na minha mente por um tempo.Recomendo a leitura e muito!
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terça-feira, 16 de abril de 2019

Resenha #90 - Lotaria Solar (Philip K. Dick)

Estamos chegando perto da resenha de número 100, e não queria chegar a tantos livros lidos e comentados no blog sem ler o primeiro livro do meu autor favorito, Philip K. Dick. A obra desta semana é Lotaria Solar (Solar Lottery) de 1956. Esta obra se encontra em português apenas na sua forma lusitana editada pela Europa-América na coleção FC, que junto com a clássica Argonauta traduziram e publicaram centenas de livros de Ficção Científica. Muitas destas obras, assim como "Lotaria Solar", ainda são as únicas forma de encontrar livros em português. Homenagem e reconhecimento feitos, vamos a nossa resenha.

Passado séculos no futuro, por volta de 2203, apesar de termos sido capazes de colonizar os nove planetas, a humanidade desmoronada socialmente pela queda dos governos, busca reerguer-se sob a base do Minimax, uma máquina que calcula aleatoriamente, sorteia e nomeia o cargo mais alto da administração humana, o cargo de Interrogador-chefe. Este cargo, contudo, não dava grande conforto pois segundo a lei, pretendentes ao cargo poderiam propor desafios de morte, enviando assassinos públicos e desafiadores ricos para eliminar o Interrogador-chefe.

Nesse mundo acompanhamos Ted Benteley, um operador juramentado e, até então, crente no sistema de juramentos (algo como suserania e vassalagem medieval) que busca um novo senhor para servir e o encontra no atual Interrogador-chefe, o rico e poderoso Reese Verrick. Então, o Minimax resolve sortear novamente o prêmio máximo dando o cargo para Leon Cartwright, um servidor simples, de baixa classe e meia idade, e adepto do culto a Preston, um profeta que dizem habitar um décimo planeta, um local não abrangido pelo Minimax. A partir daí dá-se uma caçada pública ao novo Interrogador-chefe, onde Reese Verrick desafiará com um assassino público e um plano ousado.    

O autor cria um mundo socialmente absurdo e conduzido por uma máquina elaborada em determinar o aleatório, que gera uma mania generalizada por amuletos animistas. Uma possível alegoria para o racional sendo usado para irracionalidades. Algo como o avanço tecnológico de metralhadora bem sucedida em causar mortes durante a 1GM. Além do sistema de suserania e vassalagem que regem as relações entre as classes nesse mundo. Apesar dos cálculos avançados de reorganização social, a ideia do prêmio acaba acirrando as desigualdades, gerando a maior discrepância que é a figura de Verrick, um homem muito poderoso e ambicioso que não mede recursos para voltar a ser Interrogador-chefe. Cargo que praticamente não é explicado, sequer exemplificado, pois seus ocupantes são descritos apenas como seres que tentam se defender dos assassinos públicos, defendidos pelo Corpo, um grupo de telepatas que agem como segurança pessoal do Interrogador-chefe.

Esse absurdo social, as mostras de pseudoentidades, o uso irracional da racionalidade são elementos incipientes nessa obra e, sinceramente, que bom que é assim pois PKD tem uma evolução nos temas e dá mais profundidade as suas histórias que são muito melhores, apesar desta ter me agradado bastante pelas intrigas e ação. Recomendado.
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segunda-feira, 8 de abril de 2019

Resenha #89 - A Cidade das Ilusões (Ursula Le Guin)

A Cidade das Ilusões (1967) é o terceiro livro de Ursula Le Guin do ciclo Hainnish, aquele que se passa no mesmo universo dos livros mais conhecidos da autora: "A Mão Esquerda da Escuridão", "Os Despossuídos" e o menos conhecido, "O Mundo de Rocannon", resenhados aqui. Também já titulada como "Viagem no Tempo", a edição que li é da Editora Argonauta em português lusitano, que ficou bastante palatável aos olhos brasileiros o que facilitou bastante a apreciação da leitura.

A história se passa na Terra, muitos séculos no futuro, depois de entrar na Liga dos Mundos e das guerras que a isolaram de outros planetas humanos, obrigando as populações a ficarem em pequenas tribos impedidas do progresso como conhecemos por causa dos Shings, os imperadores do mundo conhecidos como essencialmente mentirosos. Numa dessas tribos, Falk é abrigado, sem memória inclusive da origem e de sua aparência notoriamente alienígena (cor clara e olhos amarelos como um felino). Após cinco anos recluso reaprendendo tudo, com o que a tribo podia lhe oferecer Falk decide explorar o mundo e encontrar a verdade sobre si e é ai que a jornada começa e nela se compõe toda a narrativa do livro.

Quem já leu algumas obras da autora sabe que a escrita e a imaginação é o forte e aqui não é diferente. Apesar de considerado não tão bom quanto os livros mais conhecidos, cabe citar uma diferença positiva entre as outras obras já resenhadas da autora: Temos um mistério intrigante a respeito de quem é Falk, e após as revelações que vão acontecendo durante o livro. Elemento que não pautaram os outros livros da série e não são comuns nas obras da autora. Achei algo bem vindo. O ponto negativo é o final que ficou, senão em aberto, com possibilidades de contar mais o que acontece, mas ai voltamos a característica da autora de se ater a jornada e a mudança do personagem do que explicar o contexto geral de tudo.

Recomendo a leitura porque a obra se basta (para quem vai ler apenas este livro) tanto quanto traz mais informações sobre a Terra e a Liga dos Mundos para quem, como eu, quer ler todos os livros do ciclo. Para esses, é leitura obrigatória! 

Segue a ordem cronológica das obras do Ciclo Hainnish, junto com o ano de publicação de cada obra:
- Os Despossuídos (The Dispossessed) – 1974;
- Floresta é o Nome do Mundo (The Word for World Is Forest) – 1976;
- O Mundo de Rocannon (Rocannon’s World) – 1966;
- Planeta do Exílio (Planet of Exile) -1966;
- A Cidade das Ilusões (City of Illusions) – 1967;
- A Mão Esquerda da Escuridão (The Left Hand of Darkness) – 1969;
- The Telling – 2000;
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terça-feira, 12 de março de 2019

Resenha #88 - Count Zero (William Gibson)

Estamos de volta a Matrix, depois de muitos livros lidos e resenhados aqui no blog desde Neuromancer, agora vamos para a sequência do clássico da trilogia do Sprawl de William Gibson "Count Zero". A história se passa nove anos depois dos acontecimentos de Neuromancer com personagens novos exceto pelo Finlandês (único personagem que aparece na trilogia). 

Temos três personagens principais que intercalam contanto suas próprias histórias até que a trama junta todos nos momentos decisivos. O primeiro é Bobby Newmark, conhecido por Count Zero/Conde Zero um rapaz que sonha em ser um cowboy do ciberespaço (que chamaríamos hoje de Hacker) e acaba se deparando com uma nova tecnologia de chips que o coloca na mira de uma conspiração; Marly Kushkova, uma especialista em arte contratada por Josef Virek, um milionário excêntrico belga, para encontrar uma caixa misteriosa capaz de criar uma nova tecnologia de chips; e Turner um mercenário a serviço da corporação Hosaka incumbido de resgatar um engenheiro de chips da empresa concorrente que deseja desertar.

A escrita de Gibson melhora sensivelmente nesta sequência, isso deve ajudar a apreciação para quem achou Neuromancer um pouco truncado, contudo o regresso ao mundo já conhecido também auxilia pois o autor não precisa retomar todos os conceitos que já havia criado na obra anterior. Acredito que Gibson usou melhor o espaço necessário para criar o mundo, já construído aqui, para cuidar melhor da trama e dos personagens. Bobby Newmark ficou ótimo, um alívio cômico que funciona e com uma função importante história. Turner tem profundidade muito maior que os brutamontes costumam ter (mas afinal estamos num livro) e Marly foi escrita de forma sensível em contraponto a Josef Virek um bilionário que vive por aparelhos e deseja ser um ser da Matrix, abandonar a humanidade (um protótipo de Bigend, o milionário belga de trilogia Blue Ant). 

A diferença maior diferença entre as duas obras é a estrutura da trama, substituindo a linear de Neuromancer por três linhas narrativas que se encontram. De forma geral, temos o mesmo efeito da obra anterior, Gibson trouxe nos anos 80 um mundo que se passa no nosso presente imaginando a o ciberespaço modificando totalmente na nossa vida e ao expor sua visão acabou contribuindo para moldar o próprio futuro que acabou se concretizando no nosso presente, obviamente não em todos os detalhes mas na essência. Um exemplo divertido é a expressão "wilson" que é um equivalente ao "noob" de hoje. 

Em Count Zero, Gibson consegue ser mais objetivo e colocar mais ação o que torna a leitura mais prazerosa. Recomendo muito a leitura e que venha Monalisa Overdrive o ultimo da trilogia!
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terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Resenha #87 - Assembléia Estelar: Histórias de Ficção Científica Política (Org. Marcello Simão Branco)

Uma das metas para esse ano é ler mais livros de contos e livros de sequências de obras já resenhadas no blog. Então, "Assembléia Estelar: Histórias de Ficção Científica Política" é uma coletânea de contos de FC que abordam a política em algum nível. São contos selecionados pelo editor somados a contos estrangeiros que foram traduzidos, então ao lado de conhecidos nomes nacionais, como Roberto de Sousa Causo, André Carneiro e Carlos Orsi, temos Úrsula Le Guin, Orson Scott Card e Bruce Sterling. O organizador não tem nenhum conto no livro, mas sua introdução já é um artigo que faz um belo apanhado histórico da relação da Ficção Científica com a Política, resgatando o termo e as obras relacionadas a Utopias, passando pelas distopias incluindo as obras brasileiras. Contudo, as breves análises para justificar algumas obras (posso falar apenas das que li) são bastante falhas, como por exemplo resumir Fundação a uma defesa da democracia quando na verdade Asimov abertamente se inspirou num livro que narra a queda do Império Romano e a própria Fundação não tem nada de democrática. Os contos contam com uma breve biografia do autor e um breve resumo do conto que vamos ler e também são bem estranhos, algum equivocados e até desnecessariamente provocativos, afinal se o editor não gosta de um espectro político, poderia escrever artigo ou um conto, e não usar aquele espaço antes de cada conto para isso. Acho que prejudica a coletânea mas os contos continuam valendo por si e temos alguns muito bons, outros nem tanto o que deixa o total bastante irregular e, sinceramente, alguns contos sobraram e poderiam ter ficado de fora para deixar o livro mais enxuto.

Acabei invertendo a ordem que sempre faço, falando do livro em geral antes dos contos de forma individual, então vamos aos comentários conto a conto: 

A queda de Roma antes da telenovela (Luis Filipe Silva): Conto curto que mostra um futuro onde as decisões políticas do parlamento são completamente integradas a televisão num sistema online, parecido com um reality show. Nesse mundo Idílio, uma espécie de presidente da assembléia, trava diálogos sobre o funcionamento da democracia com Morais, um parlamentar a moda antiga. O contraponto de Moraes, como personagem é entre um regime tecnocrata, tão atendo as coisas miúdas que faz perder o foco de grandes realizações. A história tente mais a reflexão do que para a ação. 

Anauê (Roberval Barcellos): Conto de um subgênero que gosto muito: História Alternativa. Aqui temos um Brasil de 1980 que é governado pelos integralistas quando derrubaram Getúlio Vargas em 1938, e se aliaram aos nazistas. Infelizmente aqui, temos uma realidade alternativa bem construída mas mal justificada pela forma que o integralismo muda o Brasil. A adoção do Tupi-guarani como língua oficial é até aceitável mas o quase abolimento do uso do português não mesmo, mas o que mais incomoda é a questão racial dos judeus trazer tanta indignação aos integralistas (aliados de nazis), uma vez que existe uma longa tradição de germanófilos no integralismo. Sobre bases tão frágeis a história toda descamba para a ingenuidade, inclusive ressaltando defeitos como a construção dos diálogos e das cenas decisivas que ficaram pobres.

Gabinete blindado (André Carneiro): Membro de um grupo de resistência narra suas lembranças de forma fragmentada e intuitiva. A narração em primeira pessoa traz uma forma intimista que ajuda a dar forma mas o conto sofre pela falta de informação que nos deixa um pouco perdido em meio as reflexões. A introdução do conto, escrita pelo organizador, resume a história de forma bem impertinente o que influi na apreciação da história.

Trunfo de Campanha (Roberto de Sousa Causo): Noveleta inserida no mundo de Space Opera criado pelo autor, já publicada em mais de um livro e contos. O personagem principal é Jonas Peregrino combatente de elite que se vê envolvido em uma trama política quando recebe um convite de um proeminente político em ascensão, em um período de mudanças num pós-guerra contra uma raça alienígena. A trama que coloca o protagonista no jogo político é explicada demais, e explicar tantas coisas desse mundo não deveria ser função de um conto nem de uma noveleta, e sim instigar o leitor a buscar mais e esse algo a mais está disponível inclusive no site do autor. Outra coisa que atrapalha a apreciação é que Peregrino não apresenta conflito em praticamente nenhum momento do conto ao contrário de Fátima Feldman, a femme fatale clássica, e por isso a narração deveria acompanhar ela, pois ela quem se transforma ao cabo da história. Fora isso, o mundo é interessante e rico, mas gostaria de ver mais suavidade no passar de tanta informação.

Diário do cerco de Nova Iorque (Daniel Fresnot): Narrado como um diário, um escritor francês em visita a Nova York justamente em um momento de crise entre o prefeito da cidade, John Fillick e o governo federal que leva a um conflito armado. A narrativa prende o leitor com um ritmo e desenvolvimento maravilhoso que passa muita tensão e mostra o fanatismo levado a extremos.

Saara Gardens (Ataíde Tartari): Conto bastante curto sobre tramas politicas, em que um empreiteiro deseja colocar um político favorável a seu projeto imobiliário no deserto do Saara na presidência do governo global nas próximas eleições desbancando a favorita que é ambientalista. Acredito que abordagens desse tema exijam mais palavras pois o gosto dessas histórias está na complexidade que o conto não alcança, mas vale pelas referências a política brasileira.

Era de aquário (Miguel Carqueija): O conto traz um momento rotineiro de um político que vai fazer uma palestra numa universidade porém em um mundo onde assassinatos políticos e crises sociais são comuns. Conto com ritmo bom mas sem picos de emoção, vale pela reflexão por imaginar uma linha que ainda não cruzamos por aqui (ou já?!)

A evolução dos homens sem pernas (Fernando Bonassi): Conto sem diálogos, apenas descrições mas o faz de forma bem feita, pintando um quadro gradativo da evolução humana levando para um caminho bizarro numa metáfora crítica carregada de ironias. Vale a leitura pelas provocações que podem causar ao leitor e que vão bater de frente (ou não) com suas convicções políticas.

A pedra que canta (Henrique Flory): Outro conto de História Alternativa, o que me agrada bastante. Conta a história de Gabriel, uma criança doente que recebe um implante cirúrgico que o permite ver os pontos fracos de estruturas e é utilizado em uma missão de sabotagem em uma guerra do Brasil contra a Argentina. Ótimo desenvolvimento, história e personagens.

O dia antes da revolução (Ursula K. Le Guin): Noveleta conta as memórias da revolucionaria anarquista Odo no planeta Urrás, um dia antes de uma grande revolução. Essa história, se passa mais de 600 anos antes do livro clássico da autora, "Os Despossuídos" (Meu livro favorito de FC, sim o primeiro!). Além da escrita muito acima da média, característico da autora, o conto não tem momentos de ação nem picos de tensão tendendo mais a reflexão, afinal estamos nas memórias de uma idosa mesmo que seja uma idosa prestes a desencadear um evento de grandioso que levará ao exílio em Anarres mas ai já é a história do livro. No fim das contas, vale muito a leitura para quem conhece o livro, para quem não leu serve como prólogo.

O grande rio (Flávio Medeiros Jr.): Conto de ficção científica com viagem no tempo por excelência. O assassinato de John Kennedy é planejado com anos de antecedência por um Arauto do futuro em missão para salvar a humanidade de uma guerra catalclismica. História excelente, que vai acrescentando camadas de acontecimentos sem se perder e que mexe com o imaginário de conspiração que envolve o acontecimento. Gostei bastante!  

O originista (Orson Scott Card): História se passa no mundo do clássico de Asimov: Fundação (Mais precisamente entre o primeiro e segundo livros), seguindo Leyel Forska, cientista de uma rica família nobre de Trantor, quando tem seu pedido de entrada na Fundação negado pelo Hari Seldon e em meio a isso Leyel realiza um estudo linguístico a respeito da origem do homem. O desenvolvimento do conto é complexo e envolvente, Card segue os passos de Asimov surpreendendo com um final maravilhoso. O conto é o mais longo do livro, contudo a escrita flui muito bem. Vai ser difícil não pensar no mundo de Fundação sem lembrar desse conto tamanha a forma com que ele se encaixa na trilogia original.

Questão de sobrevivência (Carlos Orsi): O caos social se instala na São Paulo de 2030. Doenças radioativas levam uma comunidade organizada e controlada por um partido de esquerda. Nesse mundo, um assalto a um carregamento de leite materno por um grupo de resistência mostra o lado mais triste dessa realidade. Gostei do conto ser embebido de cyberpunk puxado muito mais para o lado "punk" do que "cyber", pois foca no aspecto mais social e cruel de um futuro distópico e caótico.

Vemos as coisas de modo diferente (Bruce Sterling): Resenhado nessa postagem do blog. Que este fim abrupto fique como um convite a explorar mais o blog.


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terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Resenha #86 - O Hobbit (J. R. R. Tolkien)

"O Hobbit" é um dos livros mais conhecidos de J. R. R. Tolkien, depois do épico "O Senhor dos Anéis". É aquele tipo de obra que inspirou praticamente todos autores de fantasia e tem todos as características conhecidas que os outros autores buscaram copiar e/ou subverter. Trata-se de um livro de Fantasia sobre uma longa jornada narrada para um público infantil. É um ritmo que puxa para a oralidade, como um livro para ser lido para uma criança. Isso significa que o leitor adulto precisa estar consciente da linguagem que o livro emprega e sua forma. É bastante descritivo e o narrador sabe que está narrando uma estória, ao invés de simplesmente contá-la.

A estoria é a de Bilbo Bolseiro, um Hobbit, que é convidado pelo Mago Gandalf para acompanhar 13 anões a recuperar seu tesouro ancestral guardado pelo temível dragão Smaug. Grande parte do livro é dedicada ao longo caminho que os aventureiros tem de enfrentar encontrando Trolls, Elfos, Homens, Aranhas gigantes e, claro, muitos Orcs. Uma tipica jornada do herói, como sistematizada décadas depois por Joseph CampbellO contexto da 1ª Guerra Mundial aparece no livro quando a batalha dos cinco exércitos é construída pelos desentendimentos e pela busca do tesouro entre quase todas os tipos de seres que aparecem no livro.

O livro foi um sucesso tão grande que foi solicitada uma continuação que acabou se tornando "O Senhor dos Anéis" obra máxima do autor e uma das mais conhecidas obra de Fantasia. O que pode desestimular o leitor é a pouca presença de diálogos e as longas descrições até a construção frágil dos personagens secundários. Contudo a construção de mundo é imersiva em virtude dos detalhes.
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terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Resenha #85 - Os livros apócrifos (Org. Rubem Cabral)

"Os livros apócrifos: antologia de histórias inspiradas na Bíblia" da Editora Cáligo é uma coleção ousada de contos tirados da mitologia cristã, muitas vezes subvertendo acontecimentos conhecidos mostrando versões alternativas de episódios conhecidos, algo parecido com a História Alterativa na Ficção Científica, mas aqui com acontecimentos mitológicos. Há também, releituras nos tempos modernos, climas conspiratórios e romances acalorados. As leituras são muito variadas muito bem distribuídas nos oito contos dessa coleção. Vamos olhar cada conto individualmente, antes do conjunto:

Metamorfoses (Raione L. P.): Pavel é um agente de Estado na Checoslováquia em plena guerra fria que fica obcecado por manuscritos apócrifos escritos pelo próprio Jesus de Nazaré. Conto ambienta muito bem o clima de intrigas palacianas, delações que podiam levar uma condenação a morte, deixam o clima pesado. O que já é um atrativo do conto em si. As revelações de Jesus feitas a Judas são interessantes e entram muito bem no clima do conto contraponto a religião e o comunismo do país naquela época. 

O Irmão mais novo (Rubem Cabral): Caim deveria matar Abel para mostrar como a inveja e o assassinato são pecados abomináveis, mas nesse conto Abel encontra uma oportunidade de mudar seu destino para salvar seu irmão do exílio e de si próprio. O autor vai longe na criatividade da história, invadindo os meandros da mitologia cristã e nos entregando uma história surpreendente. Quem já conhece Rubem Cabral pela resenha que fiz de Linha Tênue aqui no blog já sabe da qualidade e criatividade do autor.

Os três dias (Fábio Baptista): O que teria acontecido no intervalo de 3 dias entre a morte e ressurreição de Jesus? O conto preenche essa lacuna com um texto leve, fluido com boas doses de sarcasmo pelo personagem Lúcifer que rouba a cena. A introdução com os homens que foram crucificados ao lado de Jesus também é muito bem feita e enlaçada na narrativa ao longo do conto. 

A Torre de Nimrod (Valentina Silva Ferreira): Versão alternativa da Torre de Babel, que é o mito usado para explicar as muitas línguas que nós usamos. Na versão da autora Deus está fraco demais para impedir os planos do Rei Nimrod que ordena a construção da torre. O conto nos prende para sabermos até quão longe os planos do rei vão.

Epístola de Pilatos (José Geraldo Gouvêa): Pitatos assume a narrativa, em primeira pessoa, deste momento decisivo na vida de Jesus de Nazaré quando é oferecido o perdão para um de três criminosos na Páscoa, mas algo sai diferente do conhecido na Bíblia. A escrita ganha muita personalidade pela personalidade de Pilatos e a visão romana dos acontecimentos em forma de carta.

Salomão e a Rainha das Luzes (Cláudia Roberta Angst): O conto dá vida e cor numa versão  romântica do encontro entre a Rainha de Sabá (Makeda) e o Rei Salomão. Na bíblia, não há referência do romance entre os dois mas na tradição etíope (onde acredita-se que tenha se localizado o reino de Sabá) além do romance, um filho também foi gerado desse encontro e é essa versão popular e levemente picante, que a autora desenvolve o romance do conto.

O Evangelho Sangreal (Bia Machado): Conto curto onde é exposta a visão de Maria Madalena sobre o material apócrifo mais conhecido dos últimos tempos: A evidência de que Jesus e Maria Madalena fossem um casal com filhos. A narrativa em primeira pessoa tem aquele clima bacana de revelação e "bastidores" desse segredo que dão um tempero especial ao conto.

A Escada de Jafar (Gustavo Araújo): Voltamos aos tempos modernos, na Palestina sitiada por Israel onde temos uma versão da conhecida história de Esáu e Jacó, aqui Namir e Jafar, onde a transposição dos momentos principais com a modernidade e a questão Israel/Palestina foi feita com muito apuro histórico, sem perder a emoção do drama familiar. O autor sabe trazer o sentimento na sua escrita como constatamos na resenha que fiz do seu romance, Pretérito Perfeito

Vem (Diogo Bernadelli): Para encerrar a antologia, o Apocalipse cristão, trazido para o que sobrou das terras brasileiras na pele dos últimos sobreviventes abandonados numa comuna, que vive num prédio abandonado mas não estão sozinhos. O conto traz uma atmosfera intimista onde a falta de esperança toma conta de tudo. Confesso que achei o final um pouco confuso mas também não sei estimar até onde a falta de leitura minha desta parte da bíblia interferiu. 

A edição tem abordagens bem variadas mas todas foram muito bem escritas e a pouca quantidade de contos mostra que não é um livro com páginas demais. Cada conto ajuda a integrar um todo de abordagens muito bacanas da bíblia. Tudo isso numa edição física muito bonita, com capa, letras em formatação que brincam com a estética de documentos sagrados e antigos. Sei como é difícil ao leitor aceitar recomendações de coletâneas, pois não faltam edições de vanity press pagas (que compromete a qualidade), que além de possuírem temas genéricos que costumam ser ignorados para caber mais gente. Contudo, aqui temos uma pérola em meio a tantas coisas de genéricas por ai e eu recomendo muito.

Geralmente não coloco link de venda de livros, mas por ser uma editora pequena, fora dos grandes círculos, e honesta com autores e leitores tem que ser incentivado, ainda mais quando o preço está muito bom. 
Link para o site de venda do livro: https://caligo.lojaintegrada.com.br/os-livros-apocrifos-antologia-rubem-cabral-org
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terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Resenha #84 - Selva Brasil (Roberto de Sousa Causo)

"Selva Brasil" (2010), de Roberto de Sousa Causo é uma Ficção Científica brasileira de História Alterativa. É um desdobramento da literatura de FC, que imagina os rumos políticos, sociais e/ou tecnológicos se certos acontecimentos importantes fosse de outra forma. Já temos uma tag razoável de resenhas e postagens sobre História Alternativa, incluindo a resenha da obra mais famosa da História Alternativa: "O Homem do Castelo Alto" de Philip K. Dick.

O "e se" de Selva Brasil é quando o então presidente Jânio Quadros perpetrou seu plano de invasão das Guianas contando que os EUA iriam apoiar o Brasil contra a coalizão de ingleses, franceses e holandeses os estadunidenses se voltam contra o Brasil, lançando o país numa guerra de atrito onde perdemos uma parte da Amazônia apesar do apoio militar da URSS e outros países da America Latina como a Argentina. Passados mais de 20 anos nessa guerra de atrito chegamos a 1993 quando sargento Roberto Causo, sim o protagonista é a versão do próprio autor nesta realidade, está em missão de substituição de tropas na fronteira com as Guianas e embrenha-se entre guerrilheiros desertores e no mistério escondido na selva que joga o EB contra os melhores soldados dos EUA.

O que chama a atenção da obra é que em muito poucas páginas o autor traz uma coerente realidade alterativa no plano político e seus desdobramentos, bem como uma alterativa de sua própria história, onde o autor de fato serviu ao exército mas não seguiu carreira como o seu duplo. A escrita é ágil e direta, o que é excelente para descrever a ação militar, com jargões de valorizam a ambientação do meio militar, que não conheço mas fica a prova de quem sabe. O que fica faltando para completar essa realidade é o ambiente social dessas décadas após a invasão das Guianas, mas a ambientação nas selvas brasileiras, longe das grandes cidades, camufla habilmente. Fica a vontade de ver mais histórias ambientadas nessa realidade pois ficou muito criativo e com diversas aberturas para uma continuação. 
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