terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Resenha #83 - Império de Diamante (J. M. Beraldo)

"Império de Diamante" (2015) é um romance de fantasia do João Beraldo, o primeiro da série "Reinos Eternos" que venceu o prêmio Argos em 2016 e não foi a toa: o mundo criado foge do padrão da fantasia medieval baseado na Europa e coloca sua aventura em Myambe um continente baseado na cultura africana e indiana.

A história é complexa, mas o autor conduz o leitor com bastante habilidade, sem pressa e sem enrolar. Tudo começa há 20 anos quando o guerreiro mercenário Rais Kasim se auto-exila após uma batalha perdida contra as tropas do Imperador de Diamante em sua última conquista. No continente de Myambe o Império de Diamante, suprimiu culturas e conquistou todos as nações entorno de seu imperador, mas os rumores de que o império está caindo vão colocar quatro personagens principais numa trama para derrubar o império, 20 anos depois. Rais Kasim, um mercenário de Myambe que depois de décadas fora do continente volta para pegar trabalhos liderando um grupo de mercenários estrangeiros; Mukthar Marid, guerrilheiro rebelde que luta fervorosamente pelo fim do império; Adisa, um jovem sacerdote da Ordem de Bronze que recebe poderes do imperador para servi-lo; e Zaim Adoud, o governante da província de Abechét que se vê esquecida pelo império e envolta de intrigas com os nobres locais.

Na imagem 2: Mukthar Marid, Adisa, Rais Kasim e Zaim Adoud.

Os quatro personagens são bem construídos e bem diferentes entre si o que traz várias visões do mundo de Myambe, e o cenário diferente do medieval/fantasia europeizado instiga e justificaria uma torrente de descrições, mas o que temos é um livro sem enrolações em que a trama política e a ação. A magia é presente no livro e bem embasada nas religião e mitologia africana, nos poderes dos primogênitos e suas máscaras de contas (como se fossem orixás vivos na terra) e nas vestes, nos ritos e superstições. Senti falta do animismo que é bem presente na religiosidade africana mas cabe lembrar que o livro não é uma transposição mas uma inspiração na África.

A leitura não nos deixa cair no sono das descrições, tanto apenas pela novidade do mundo mas pela agilidade da escrita do autor, onde coisas acontecem o tempo todo, o que me fez, particularmente, ler o livro muito rápido. O livro também traz uma moralidade cinza, que além de ser uma escolha mais madura ajuda a não entregar quem vai viver ou morrer na história, pois realmente tememos pela vida dos personagens preferidos.

Império de Diamante é daqueles livros que nos faz viajar pelo mundo, e nos faz querer visita-lo novamente ao fim da leitura. O livro está mais que recomendado, não apenas pela sua ambientação que traz frescor ao padrão da Fantasia, mas pela história bem construía, bem amarrada e com gosto de querer saber mais desse mundo.

Mapa de Myambe.
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sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Livros de Philip K. Dick - Resenhados pelo blog!

Quem acompanha o blog sabe que sou fã do Philip K. Dick, então resolvi condensar numa única postagem todas as resenhas que já fiz do autor e todas que pretendo fazer, com os livros ainda não lidos da minha coleção. Vou atualizar essa postagem a medida que fizer novas resenhas. Os livros que já tem resenha possuem link e os que não tem resenha mas que estão na minha estante, tem um resumo. A lista com livros para baixar eu deixe em outra postagem.
ROMANCES
LOTERIA SOLAR (1955) - Leia nossa resenha

O PROFANADOR (1956) - Leia nossa resenha

TEMPO DESCONJUNTADO (1959) - Leia nossa resenha

A MÁQUINA DE GOVERNAR (1960) Leia nossa resenha

O HOMEM DO CASTELO ALTO (1962) Leia nossa resenha


A ESPERA DO ANO PASSADO (1963) 
No livro "À Espera do Ano Passado" viajamos a um futuro próximo, e encontramos uma humanidade que se move no espaço interplanetário, mas que se encontra espartilhada numa guerra aparentemente invencível contra um inimigo alienígena. O seu incerto futuro está depositado nas mãos de um único homem, Molinari, uma figura enigmática e obscura. Mas conseguirá este líder supremo da humanidade salvá-la de um fim catastrófico? (Ainda sem resenha nesse blog)


OS TRÊS ESTIGMAS DE PALMER ELDRITCH (1964) Leia a nossa resenha


A PENÚLTIMA VERDADE (1964)
A obra descreve uma população toda vivendo no subsolo da Terra convivendo com imagens falsas feitas pelo governo, onde se vê uma Terra devastada. Porém a terra está intacta e desfrutada por uma elite. (Ainda sem resenha nesse blog)

CLÃS DA LUA ALFA (1964) Leia nossa resenha

O TEMPO EM MARTE (1964) Resenha em breve


ESPAÇO ELETRÔNICO (1964) - Leia nossa resenha

ANDROIDES SONHAM COM OVELHAS ELÉTRICAS? - (1968) Leia nossa resenha


UBIK - (1968) Leia nossa resenha


O LABIRINTO DA MORTE (1968)
Num futuro em que a existência de Deus (o Fabricante de Homens. o Intercessor. O Caminhante na Terra) e seu oposto (0 Destruidor da Forma) já foi provada cientificamente, em que se estabeleceu contato eletrônico com a divindade, um grupo de homens e mulheres estão perdidos num planeta deserto, sem possibilidades de pedir ou receber socorro. Estão sujeitos à ação de forças misteriosas, estão sendo mortos por essas forças, presos a angústias e sentimentos milenares, que atravessaram o passado e continuam no futuro. Mas o que está acontecendo de fato em Delmak-O? A ilusão é realidade ou a realidade é ilusão? Labirinto da Morte é uma obra inteligente e instigante, repleta de suspense, que prenderá e surpreenderá o leitor até a última página. (Ainda sem resenha nesse blog)

NOSSOS AMIGOS DE FROLIX-8 (1969)
Philip K. Dick choca sonhos privados contra as batalhas públicas em um romance de ritmo rápido e provocante que, finalmente, aborda a nossa salvação, tanto como indivíduos e como um todo. (Ainda sem resenha nesse blog)


FLUAM, MINHAS LÁGRIMAS, DISSE O POLICIAL - (1970) Leia nossa resenha


REFLEXO NA ESCURIDÃO - (1973) Leia nossa resenha

O DEUS DA FÚRIA com ROGER ZELASNY (1976) Leia nossa resenha

VALIS - (1978) Leia nossa resenha


A INVASÃO DIVINA (1981) Leia nossa resenha

A TRANSMIGRAÇÃO DE TIMOTHY ARCHER (1982)
O bispo Timothy Archer é o mais carismático dos chefes da Igreja da Califórnia, um sincero defensor da verdade, disposto a modificar, ou mesmo a abandonar os mais secretos dogmas da fé cristã, disposta a defender que as mais célebres palavras de Cristo se encontravam registadas duzentos anos antes de Ele ter nascido, disposto, até, a ser julgado como herético. A morte arrebata-lhe os que lhe são mais queridos: o filho, Jeff, e a amante, Kirsten, mas Timothy Archer não deixará que nada interfira na prossecução da sua busca. (Ainda sem resenha nesse blog)


COLETÂNEAS DE CONTOS


SONHOS ELÉTRICOS 
contosPeça de Exposição (Exhibit Piece); Autofab (Autofac); Humano é (Human is); Argumento de Venda (Sales Pitch); O fabricante de gorros (The Hood Maker); Foster, você já morreu (Foster You're Dead); A coisa-pai (The Father-thing); O planeta impossível (The Planet impossible); O passageiro habitual (The Commuter); O enforcado desconhecido (The Hanging Stranger). Leia nossa resenha.


VINGADOR DO FUTURO
contos: Vingador do Futuro (ou Podemos recordar para você por um preço razoável - We Can Remember It for You Wholesale); A mente alienígena (The alien mind); Revanche (Return Match); Não julgue pela capa (Not by its cover); A formiga elétrica (The Electric Ant); A pequena caixa preta (The little Black Box). Leia nossa resenha.

MINORITY REPORT - A NOVA LEI
contos: Minority Report (Relatório de minorias); Em Jogos de Guerra, (War Game); O que dizem os mortos, (Wath the Dead Men Say); Ah, ser um Bolho! (Oh, to be a Blobel!); Podemos recordar para você por um preço razoável (We Can Remember It for You Wholesale); A fé de nossos pais (Faith of Our Fathers); A história que acaba com todas as histórias (The Story to End All Stories); A formiga elétrica (The Electric Ant); A segunda variedade (The second variety); O impostor (Impostor). Leia nossa resenha.

REALIDADES ADAPTADAS
contos: Lembramos para você a preço de atacado, Segunda variedade, Impostor, O relatório minoritário, O pagamento, O homem dourado e Equipe de ajuste. (Ainda sem resenha nesse blog)


 
A MÁQUINA PRESERVADORA I e II (parte1 - parte2)
contos: A Máquina Preservadora; O Jogo de Guerra; E Se Benny Cemoli Não Existisse?; Roog; Veterano de Guerra; O Melhor Lugar de Reserva; E Lá ao Fundo Vivem os Wubs; Recordações Por Atacado; Mercado Cativo; Esta Triste Terra; O Síndroma da Fuga; Os Rastejadores; Oh, É Tão Bom Ser Um Blobel!; O Que os Mortos Têm para nos Dizer; Paguem ao Impressor.
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terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Resenha #82- Oneironautas (Fábio Fernandes e Nelson de Oliveira)

Vamos abrir os trabalhos de 2019 com uma breve resenha de um livro breve: "Oneironautas" da dupla dinâmica Fábio Fernandes e Nelson de Oliveira, o Gordo e o Magro da Ficção Científica brasileira que se juntaram nesse livro para uma viagem surrealista no mundo dos sonhos, como o título sugere ao fazer referência ao deus grego dos sonhos.

O livro foi escrito em capítulos alternados de 300 palavras cada, onde os acontecimentos começam a ficar cada vez mais loucos e divertidos mas nem por isso deixamos de ter uma história: Nelson e Fábio se encontram na Festa Eterna em 2066 onde navegantes dos sonhos se encontram e são encontrados também. A partir daí a coisa desanda e descamba para as situações mais insólitas, divertidas e encharcadas de referências da cultura nerd em geral. Como num teste de "quais filmes que você viu?", a não ser que você gabarite sempre, alguma coisa vai se perder, mas nada que uma releitura não resolva. 

Aliás, a releitura é tão recomendada quanto a leitura, pois pode ser feita sem pressa alguma, pois o livro é bem curto, como a remanescência de um sonho que tentamos relembrar com detalhes mas com a vantagem que neste sonho em forma de livro podemos reler sem esperar o sono chegar.
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segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Resenha #81 - Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley)

"Admirável Mundo Novo", (1931) de Aldous Huxley, junto com "1984", de 1949, de George Orwell e "Fahrenheit 451" (1953) de Ray Bradbury formam o trio de distopias clássicas conhecidas também como Ficção Cientifica Social. Seguindo os passos da Utopia de Thomas Morus em usar a ficção para pintar um mundo ideal com alto teor político, com a diferença de que o mundo pintado por Huxley, Orwell e Bradbury são os mais terríveis possíveis, onde além de mostrarem os medos de sua época temos vislumbres do que temos hoje, dando as três obras tons proféticos que não eram necessariamente pretendidos pelos seus autores.

Agora voltando-se para "Admirável Mundo Novo", Huxley nos mostra um mundo 700 anos no futuro onde a dominação se dá desde antes do nascimento dos seres humanos. Todos são produzidos em série e condicionados genética e comportamentalmente a aceitarem suas posições na sociedade e a nunca questionar. Trata-se de uma via de dominação sem  base na violência explicita e vigilância absoluta, como em 1984, ou retirando os meios de pensamento mais complexo, como em Fahrenheit 451, mas impondo uma felicidade artificial induzida pela droga oficial, o Soma.

Na obra, podemos dividi-la em duas partes: na primeira, acompanhamos Bernard Marx, (o nome Marx não está lá de graça) um cidadão desajustado pelo seu físico não ser igual aos de sua classe que resolve procurar fora da civilização respostas para seus anseios e nisso somos apresentados ao mundo distópico da obra. Na segunda parte, conhecemos John um "selvagem" de uma reserva histórica onde ainda resistem as instituições e tradições de nosso tempo como o casamento, família e nascimento natural de bebês. John assume o protagonismo da história com seus questionamentos e todo choque que sua presença causa nesse Admirável mundo novo.

A escrita de Huxley é bastante ágil e nos apresenta o seu mundo com bastante naturalidade, o mundo já impressiona por si. Ainda que a leitura seja truncada na segunda metade da primeira parte,  quando John assume a história o livro melhora muito até o seu desfecho. Considero que Huxley vai mais longe que Orwell, pois ele expõe com mais precisão o lado não-violento sua imaginação distópica da dominação do homem pelo homem. O que pode atrapalhar o leitor nessa jornada são as muitas referências a obra de Shakespere, pois é com suas obras que o Selvagem John se comunica com o mundo. O livro é bem aproveitado mesmo sem essas leituras, mas acredito que algo da experiência se perca sem elas. Ainda assim é um livro essencial para quem aprecia Ficção Científica e/ou aprecia ficção pelo teor político, e confesso que já deveria ter lido a muito tempo mas antes tarde que nunca.
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terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Resenha #80 - As Águas-Vivas não sabem de si (Aline Valek)

"As Águas-Vivas não sabem de si" é uma FC de 2016 escrito por Aline Valek. É um pouco diferente das obras de FC publicadas no Brasil pois não tem o apelo ao nicho de leitores. O que é bem vindo, pois apesar de importante existir um nicho de escritores/leitores de Ficção Científica, tampouco é saudável ficar restrito apenas a ele. A obra é competente em trazer densidade na construção dos personagens e na criatividade em muitos momentos na narração.

A protagonista é Corina, uma mergulhadora experiente contratada para testar um novo traje de mergulho em águas profundas. Na estação Auris, ela e a equipe vão explorar sinais de cachalotes e se deparam com mistérios abissais e conflitos internos que vão movimentar a trama.

A ambientação de exploração no fundo do mar não é novidade mas a abordagem faz toda a diferença: a busca pelo desconhecido, me remete a Solaris de Stanislaw Lem, mas o desconhecido se apresenta de forma muito mais sutil que na obra de Lem, pois existem capítulos muito criativos com pontos de vista inusitados e filosóficos que evitam que a Ficção Científica fique sutil demais. Os dramas de Corina e dos demais membros da Auris são bem apresentados mas não tão desenrolados na trama, o que de fato não chega a prejudicar a obra pois evita que o livro se estendesse demais e acertar o prumo nos mistérios, que são o que mais instigam saber. 

A edição como um todo é muito bonita e bem feita. A escrita busca mais sensibilidade e filosofia que a linguagem científica, e as voltas no passado e reflexões podem desagradar quem espera grandes movimentações na história ou o lado aventuresco de uma expedição científica. Para quem estiver disposto a mergulhar em si, como eu me dispus quando fiz a leitura, "As Águas vivas não sabem de si" é uma boa pedida.
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terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Resenha #79 - Memórias póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis)

Por que resenhar um livro clássico da literatura brasileira em um blog de Ficção Cientifica (e Fantasia)? Basicamente pelo mesmo motivo que resenhei Número Zero de Umberto Eco e A Metamosfose de Franz Kafka: não tenho (nem pretendo ter) outro blog de literatura, então posto neste aqui mesmo. Contudo, Machado de Assis é irresenhável, devido a quantidade de estudos densos a qual suas obras já foram dedicadas, sendo assim  possível apenas recomendá-lo e dar alguma porção de motivos.

É com essa intenção que venho-lhes dividir algumas considerações sobre  "Memórias Póstumas de Brás Cubas". A história tece uma narrativa autobiográfica sobre a vida de Brás Cubas que uma vez morto resolve tecer suas memórias, ou seja, temos um narrador morto. Esse ponto de vista inusitado dá um sabor irônico e filosófico a leitura. Machado busca com isso fugir tanto do Romantismo (pelo excesso de fantasias) quanto do Naturalismo (pela necessidade de explicar tudo cientificamente). Afinal de que importa saber como Brás Cubas trouxe a tona memórias depois de morto? Porque ele trata de assuntos mundanos conhecendo a eternidade e o que há do outro lado da vida?

Tudo isso regado a pessimismo, e um pouco ou talvez muito de biografia do próprio autor que assim como Brás Cubas, não deixou filhos e, até o momento em que escreveu este livro, não havia alcançado fama. Pois antes de encontrar a própria morte, Machado de Assis ainda viveu para ser o primeiro presidente da Acadêmia Brasileira de Letras.

A leitura da obra acaba sendo influenciada negativamente pela obrigatoriedade de sua leitura nas escolas, o que tira muito da potencialidade de captar o humor e ironia de seu pessimismo. Mas como aproximar o leitor escolar dos clássicos é outra conversa. Para aqueles que conseguiram desfrutar dos seus escritos, encontram um excelente livro que, sempre tem lugar na lista de releituras, pelas ironias que passam desapercebidas na primeira leitura. Deixo, além da minha recomendação, a cativante dedicatória do início do livro: 

“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas.”
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terça-feira, 27 de novembro de 2018

Resenha #78 - As Tumbas de Atuan (Ursula K. Le Guin)

"As Tumbas de Atuan" de Ursula Le Guin é a sequência de um clássico da Fantasia, "O Feiticeiro de Terramar", mas não é uma sequência padrão em que mostra mais uma aventura de nosso herói, ao menos não em sua visão. A história segue Tenar, uma menina que é recrutada para ser a sacerdotisa única do culto sombrio dos Inominados e passa a se chamar Arha, onde passa a viver reclusa em função de seu sacerdócio. Uma de suas funções é guardar as tumbas de Atuan, local de deuses inomináveis e tesouros mágicos.

Uma das coisas que pode decepcionar o leitor é que Ged, o lendário mago do primeiro livro, demora bastante a aparecer e ao desavisado pode não entender que este não é um livro sobre Ged, mas sobre Tenar. Outra diferença é que a primeira história se passa explorando as ilhas de Terramar, enquanto a sequência se passa praticamente na ilha onde Tenar vive reclusa. Logo, o que pode desmotivar o leitor é apenas uma falsa expectativa em relação ao livro.

"As Tumbas de Atuan" mostra uma protagonista com profundidade e simplicidade, como no primeiro livro, mas de forma diferente do primeiro porque não se trata da sequencia aventuresca padrão de Fantasia, e sim uma nova jornada sobre o ser humano do início ao fim. Ao fim do livro, somos brindados com mais um pósfácio da autora em que ela esmiúça as diferenças e semelhanças entre Tenar e Ged, muitas delas em função do gênero, mostrando que esta é uma ótima sequência para quem tiver o coração aberto para o novo.  
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terça-feira, 23 de outubro de 2018

Resenha #77 - Sonhos Elétricos (Philip K. Dick)

"Sonhos Elétricos" é uma bela surpresa para quem aprecia a obra de Philip K. Dick, pois é fruto de uma série de adaptações inéditas de contos para a série de mesmo nome da Amazon. Nesta resenha vamos comentar cada um dos 10 contos em separado, seguido de um breve comentário do respectivo episódio da série sem fornecer spoilers de nenhuma das produções. 

Peça de Exposição (Exhibit Piece): George Miller vive três séculos no futuro onde é um historiador fascinado pelo século XX, pelo sonho americano e pelos valores de liberdade e riqueza. Miller é curador do museu de História e acaba se transportando para os anos 50 onde passa a viver feliz, mesmo consciente das duas realidades. O conto encerra com o melhor do humor irônico do autor. No episódio da série (Vida Real), no entanto, opta por um caminho mais dramático para mostrar uma policial lésbica atormentada por uma perda que busca um simulador de outra vida tão real, a de um homem, empresário que passa a questionar sua realidade, achando que é a policial do futuro. A série muda todos os personagens e história pegando apenas o fio condutor do personagem viver em duas realidades.

Autofab (Autofac): O conto mostra um grupo de sobreviventes num futuro pós-guerra tentando parar a produção de uma fábrica automatizada que tem devastado os últimos recursos naturais mesmo tendo se passado anos do fim da guerra. O diferencial aqui é como a Inteligência Artificial se mostra desastrosa, não por se rebelar contra o ser humano mas justamente por fazer o que lhe foi designado. A autofab produz bens de consumo, seguindo o objetivo máximo de produção programado pelos próprios humanos. Uma alegoria simples mas contundente para o capitalismo desumano e desenfreado. Casa bem com as reflexões de Chamayou em seu Teoria do Drone, resenhado neste blog.

Humano é (Human is): O conto se passa num futuro onde a vida é difícil e vive em guerra contra povos de outros planetas. Lester Herrick, um cientista frio e cruel com sua esposa Jill, que volta muito diferente após uma missão no planeta Rexor IV. O conto é curto e foi adaptado fielmente na série, exceto pelos nomes dos personagens que foram trocados e teve mais cenas (provavelmente para caber na média de tempo dos episódios da série), que não desviam da linha central do conto: "o que é ser humano?". Menção a Bryan Cranston interpretando Silas Rex no episódio.

Argumento de Venda (Sales Pitch): O conto acompanha Morris, um desiludido trabalhador atormentado pela vida pacata e esmagado pelo cotidiano repetitivo. Este cotidiano é representado pela pervasividade da propaganda na nossa vida. Temos o melhor da ironia do autor quando um AICAD, um empregado doméstico robô, entra no apartamento de Morris e não aceita não como resposta a proposta de se vender como produto. A ironia é levada até o limite no fim do conto. Ótima leitura! Já no episódio da serie (Crazy Diamond) fez pequenas alterações nos sonhos de Morris, interpretado por Steve Buscemi (ao invés de Alfa Centauri, velejar no mar sem destino) mas o AICAD foi substituído por uma androide femme fatale que o impele a buscar seus sonhos, o que deixou o episódio mais dramático e menos irônico, descaracterizando a forma de comunicação de Philip K. Dick.

O fabricante de gorros (The Hood Maker): Conto mostra um mundo vigiado ao extremo. As mentes podem ser lidas por mutantes telepatas, chamados de teeps, mas uma tecnologia simples e barata (os gorros) pode bloquear a habilidade dos teeps e colocando em risco o seu domínio e o regime como um todo. O conto tem uma virada excelente no fim das contas que mostra uma esperança pouco habitual nas suas histórias. No episódio da série, de mesmo nome, ao invés do ponto de vista do fabricante de gorros e de um membro pacato do governo, a adaptação mostra uma teep e Morris, um agente da lei (Richard Madden, o Rob Stark de GoT) investigando e perseguindo o fabricante. Infelizmente o aspecto politico mais interessante sobre a liberdade/privacidade X segurança é colocado em segundo plano, e o foco acaba sendo na teep que enfrenta preconceito ao servir a força da lei. Isso acaba por empobrecer a narrativa de forma geral.

Foster, você já morreu (Foster You're Dead): Mike Foster é um garoto que vive uma era de alta tecnologia mas com o temor de uma guerra nuclear e todos buscam adquirir um abrigo em suaves prestações. Contudo, o pai de Mike é o único da cidade que resiste a onda de consumo desenfreado pelo medo e não quer ter um abrigo. O conto aborda a falta de comunicação entre as gerações, e como o desejo de consumo devasta uma criança e uma sociedade, saciado ou não esse desejo. O ponto forte é o drama do protagonista. No episódio da série é o mais distante do conto de toda a temporada. Permanece, contudo o drama da falta de comunicação entre pai/filho, aqui com duas personagens mulheres. Neste futuro, os EUA estão divididos em duas regiões onde numa vive-se com privacidade, simplicidade e com pouca tecnologia, de onde uma representante viaja com sua filha até o outro lado, completamente vigiado e ultratecnológico. A menina se deslumbra com a tecnologia mesmo sob os protestos da mãe, gerando conflito e uma trama que infelizmente soou forçada pela ingenuidade da protagonista, e uma virada na história previsível.  

A coisa-pai (The Father-thing): O argumento do conto é parecido com o do livro Os invasores de corpos de Jack Finney (resenhado neste blog), mas aqui protagonizado por uma criança que descobre que seu pai foi tomado por um organismo alienígena. O conto é simples e aborda a questão de forma emocional, e passa longe da questão política do "invasor alienígena/estrangeiro" e fica na questão emocional, de um menino que descobre que seu pai virou um monstro. O episódio preservou sabiamente o núcleo do conto, colocando no nosso tempo mas sem ousar mais. Acho que justamente aqui a ousadia seria mais bem vinda nesa adaptação. Destaco a atuação de Greg Kinnear que ficou sinistro sem soar forçado no papel de Coisa-pai.

O planeta impossível (The Planet impossible): Conto curto porém emocionante. Num futuro onde a existência da Terra virou uma lenda, uma senhora de 350 anos está disposta a tudo para visitar o planeta. Andrews e Norton, pilotos de uma nave de aluguel, aceitam o trabalho mesmo não acreditando que a Terra exista, mas Philip K. Dick quebra a expectativa de realidade dessa história de forma emocionante. O episódio adapta e estende esse conto de forma igualmente emocionante e ainda traz elementos novos. Destaque para a Geraldine Chaplin, como a senhora do conto. 

O passageiro habitual (The Commuter): Neste conto Bob Paine, um pacato funcionário de uma estação de trem fica intrigado com Macon Heighs, uma estação de trem que não existe. Sua obsessão o leva a um lugar que o faz questionar a realidade. É uma abordagem clássica do autor que reflete sobre linhas temporais e decisões. O conto curto foi ampliado para caber no tempo de tela e as adições não comprometem o argumento geral, apesar da escolha do tamanho curto para essa da história por Dick tenha sido bem acertada.

O enforcado desconhecido (The Hanging Stranger): Ed Loyce encontra na rua de sua pacata cidade um homem enforcado numa placa de publicidade. Por que ninguém se importa com aquele homem? Quem era ele? O que ele fez para estar ali? São as perguntas que atormentam Loyce pois todos a sua volta o consideram anormal por se importar. O conto aborda dois temas muito caros para o autor: Empatia e paranoia. Temos apenas a visão de Loyce e por ele ser o único a pensar daquela forma somos levados a duvidar também do que ele vê. Ed Loyce é perdeu a noção da realidade ou nós é que baseamos nossa realidade num consenso da maioria? Temos aqui o Philip K. Dick em seu estado mais provocador. O episódio da série (Matem todos eles), faz uma abordagem politica da falta de empatia, em referência a Trump e o neofascismo de cada dia. Então não temos nada que remeta ao fantástico (alienígenas vistos por Loyce) mas temos exposto o núcleo duro do conto que mostra o monstro que habita em todos nós na sociedade.
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terça-feira, 9 de outubro de 2018

Resenha #76 - Aniquilação (Jeff Vandermeer)

"Aniquilação" é o primeiro livro da trilogia Comando Sul, escrita por Jeff Vandermeer. Considerado um dos livros de New Weird ou Weird Ficcion, junto com os livros de China Mieville, buscam causar estranhamento no leitor. Aqui o objeto de estranhamento é a Área X. A história segue em relato em primeira pessoa de uma bióloga integrante da décima primeira expedição exploratória da Área X. Uma local isolado, onde a natureza tomou conta da civilização e cheio de perigos, pois todas as expedições anteriores fracassaram e poucas informações retornaram para preparar as missões posteriores.

A obra gira entorno do mistério da Área X, dos vestígios e relatos abandonados das antigas missões mas também nos trás uma personagem bem construída durante a obra toda. A bióloga, que prefere não revelar seu nome, se mostra uma pessoa reclusa, pouco sociável e abalada pelo fato de seu marido ter participado da décima expedição.

As colegas da bióloga (uma psicóloga, uma topógrafa e uma antropóloga) logo começam a se desentender quando as mentiras do Comando Sul, a organização secreta que organiza as expedições, veem a tona. Contudo, a revelação das mentiras e as explorações apenas aumentam o mistério ao invés de solucioná-lo. Os mistérios da Área X não são revelados, como se pode supor pela presença de mais dois livros da série e a sinopse dos seguintes já dizem se tratar de novas expedições ao local. Esse estranhamento causado pelo autor é tanto o grande trunfo do livro quanto seu maior defeito, pois a expectativa é um desfecho que traga satisfação após a agonia do mistério e não apreciar o mistério em si. Pessoalmente preferi embarcar na ideia do mistério e não criei expectativa de solução e isso ajudou a apreciar a obra melhor, mas entendo quem esperava mais. O que fica da leitura é a vontade de saber mais da Área X. Ainda pretendo ler os outros dois livros da série e ver o o filme que adaptou a obra feito pelo Netflix.
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terça-feira, 2 de outubro de 2018

Resenha #75- Sabixões & Sabixinhos: Philosophus Brasilis (Sofia Soft, Teo Adorno)

Sabixões & Sabixinhos: Philosophus Brasilis é uma das obras mais recentes de Nelson de Oliveira, um dos autores mais prolíficos que tenho visto e acompanhado. Aqui ele assina com o pseudônimo de Sofia Soft e Teo Adorno. Nessa divertia coletânea de pensamentos que vieram para provocar e divertir. Os assuntos abordados são os mais variados, mas existe uma tendência a alfinetar o Brasil e o que é ser brasileiro. As passagens garantem reações que vão daquele sorriso no canto da boca, até paralisia temporária devido a reflexão digestiva do verso. O trabalho gráfico é uma atração à parte pois acompanha os toques ácidos e irônicos do texto. Leitura mais que recomendada!
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segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Resenha #74 - Um Reflexo na Escuridão (Philip K. Dick)

Em "Um reflexo na escuridão" (A Scaner Dalky) Philip K. Dick traz um de seus livros mais tristes, pessoais (quase autobiográfico) de toda sua obra, na qual imergimos na loucura das drogas e na sanidade do mundo, que se mostram muito parecidos.

A história segue Bob Arctor, que vive em um futuro próximo, viciado em uma droga pesada chamada "Substância D". Bob passa os dias se chapando com os amigos, tentando transar com a amiga Donna enquanto busca sustentar seu vício. Bob também é um policial infiltrado com a missão de encontrar o fornecedor da droga. Em meio aos policiais Bob também vive disfarçado sob o nome de Fred e utiliza um traje que impede sua identificação pelos colegas enquanto vigia gravações de grampos na casa de Bob. Nessa vida dupla o consumo de "Substância D" vai aos poucos cindindo os hemisférios do cérebro de Bob/Fred em Bob e Fred. Os ambientes de disfarce do protagonista alimentam essa divisão e vemos isso como um processo de degradação da identidade ao longo da história e esse é o drama central da obra.

A edição da Aleph vem bem servida de extras: além da nota esclarecedora do autor o livro tem um artigo sobre a relação entre a obra e as descobertas neurológicas do período que mostra o quanto Dick estava sintonizado com a então recente teoria do cérebro dividido e, por fim, trechos de uma entrevista de Dick para um programa de Ficção Científica de uma rádio. As informações e análise desses extras, ajudam a entender a obra pelo ponto de vista do próprio autor e suas referências que vão de teorias neurológicas a textos bíblicos. A viagem dessa obra não existe projeções morais, diversão e muito pouco do humor característico do autor, que cedem espaço a densidade e tristeza inclusive na inspiração real dos personagens que eram amigos de Dick, suicidas e sequelados pelo uso de drogas no qual ele próprio se inclui.
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terça-feira, 28 de agosto de 2018

Resenha #73 - O Espadachim de Carvão (Affonso Solano)

O Espadachim de Carvão de Affonso Solano, é uma aventura em um mundo de Fantasia (2013). Uma leitura leve que busca ser principalmente divertido, mas ao mesmo tempo tem a mesma missão difícil de qualquer livro de Fantasia: criar um mundo novo que seja atraente para o leitor. O autor usa e abusa de referências da cultura pop para conectar o leitor com o mundo de Kurgala, onde se passa a história.

A história conta sobre Adapak, alternando duas fases de sua vida. Uma conta sobre sua infância como filho de "Enki’När" (um dos quadro deuses de Kurgala) aprendendo sobre a vida, recebendo ensinamentos de seu pai e seus mestres e cuidadores, Barutir e Telalec. A outra parte é como Adapak busca respostas sobre sua origem enquanto foge de misteriosos atacantes que repetem como zumbis a palavra "Ikibu". Em meio a sua busca para resolver esse mistério muita aventura por cidades barulhentas, navios piratas, romances em um mundo perigoso e mágico com um protagonista inocente e em fase de amadurecimento.

A obra tem dois destaques que chamam a atenção: primeiro são as raças imaginadas pelo autor. Cabe ao leitor decidir se elas são mal descritas ou se a descrição sucinta delas atiça a imaginação do leitor, mas elas são muito interessantes e estranhas e remetem a revelação final do livro. O outro destaque,é o fato de Adapak ser um leitor voraz da série de livros "Tamtul e Magano", uma das muitas referências a influência dos livros de outros livros de Fantasia, brincando com a ideia dos clichês e os assumindo para que a obra não se leve tão a sério. E isso torna acaba servindo como um aviso ao leitor de obras pesadas de Fantasia para que não olhem o livro pelo que ele não é, nem por isso cheio de méritos e diversão.

Recomendo como uma leitura rápida e despretensiosa.
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